quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O Sagrado está no Ar - Parte 2



Alma Imortal

Os responsáveis por tentar decifrar o Livro da Natureza e garantir que a tribo estivesse em sintonia com ele eram os druidas, talvez o grupo mais importante da sociedade celta. Eles eram muito mais do que sacerdotes, também desempenhavam o papel de poetas, legisladores, videntes e conselheiros.

Sempre vestidos de branco, eles estudavam tanto os movimentos dos astros quanto o crescimento das árvores e plantas. Veneravam especialmente o carvalho, que lhes parecia um símbolo de como a vida e a morte estão ligadas. O carvalho, no inverno, praticamente, morre: sua seiva desce toda para as raízes nessa estação, evitando que ele congele, e retorna milagrosamente para os galhos na primavera. Por isso, os druidas o tomavam como exemplos dos mistérios da vida, da morte e do renascimento.

Para alguns, isso seria sinal de que os druidas acreditavam na imortalidade da alma e numa eternidade na qual seria possível viver sempre jovem. Numa lenda irlandesa, uma deusa se apaixona por um jovem chamado Connla e lhe dá de presente uma maçã que o impede de envelhecer. A fruta é o símbolo da imortalidade: ele a come num dia e no seguinte ela se regenera.

O lugar onde se podia gozar essa juventude eterna era chamado de Ynis Avalon (Ilha das Maçãs) pelos gauleses ou de Tir-Nan-Óg (Terra da Juventude) pelos irlandeses. Ele estaria do outro lado do Atlântico, segundo algumas versões, ou debaixo de colinas, de acordo com outras. Contudo, relatos de eruditos gregos sobre a religião dos gauleses (os celtas da Gália) sugerem que eles acreditavam no que hoje chamaríamos de reencarnação.

Porém, o pensamento druídico era mais complexo do que os gregos imaginavam. Para os celtas, todas as criaturas possuíam alma, e quando uma deles deixava de existir, a energia que a animava era absorvida por outras criaturas ao redor - pessoas, animais, objetos. Ou seja, a alma seria divisível. Partes dela permaneceriam vivas na memória de quem conheceu o morto, nos seus filhos, no trabalho que realizou.

E o Outro Mundo, não seria o Além, mais sim um estado de percepção. Existe um belo ditado irlandês segundo o qual "Tir-Nan-Óg é uma terra linda que começa atrás da minha casa".

Outra característica singular da cultura celta é o papel de destaque das mulheres, que tinham grande liberdade social e, muitas vezes, eram rainhas poderosas de sua tribo. Ainda há dúvidas sobre a existência de druidesas, mas é certo que algumas divindades femininas tinham grande importância.

Além de Morríghan, era comum o culto a uma trindade de Deusas que portavam frutas, pão e uma taça ritual. Mas havia também um lado guerreiro dessas divindades, porque, como protetoras das colheitas e da terra, elas defendiam o território que a tribo ocupava.

Houve até quem visse nisso um sinal de que as Grandes Mães eram as divindades pincipais dos celtas, e de que os deuses masculinos não passavam de maridos subordinados. Os estudiosos, contudo, afirmam que isso é uma reinterpretação moderna da religião celta, e não corresponde às crenças originais desse povo.


Novo Deus. Uma Mesma Fé.

com exceção da Irlanda e da Escócia, todas as terras célticas tinham virado províncias de Roma depois da metade do século 1 da era cristã.

A princípio, o resultado disso foi a simbiose dos deuses romanos com suas contrapartes celtas: Lugh passou a ser identificado com Mercúrio ou Apolo, e a Grande Mãe com Minerva, por exemplo.

Conforme os séculos passavam, no entanto, a mudança foi sendo bem mais radical. Os romanos acabaram abraçando o Cristianismo como religião oficial e as regiões habitadas pelos celtas tornaram-se cristãs.

Ironicamente, foi na isolada Irlanda que a nova religião adquiriu maior força. Um jovem bretão chamado Patrício, levado como escravo num ataque de piratas pagãos irlandeses, evangelizou a Ilha  por volta do ano 430, criando um Cristianismo especificamente celta.

A vida monástica era muito importante, e as comunidades tinham grande autonomia. Além disso, as mulheres podiam ajudar o padre na missa, o que jamais acontecia no continente.

Os monges irlandeses levavam vida solitária e cheia de penitências, mas, como seus ancestrais, acreditavam num contato muito próximo com o divino, além de manter o mesmo corte de cabelo que os druidas - a frente da cabeça, até as orelhas, completamente raspada, com o resto do cabelo longo, preso numa trança.

Por estarem praticamente livres das invasões bárbaras da época, os religiosos da Irlanda se tornaram grandes estudiosos da Bíblia, e chegaram a ir para o continente como missionários, fundando mosteiros e ensinando latim na Gália, na Suíça e na Itália. Não é exagero dizer que os monges irlandeses salvaram a Europa, cuja cultura andava muito decadente naquela época.

Talvez o exemplo mais belo de como a nova fé se fundiu com a espiritualidade celta seja a oração conhecida como Lorica (Armadura, do latim), ou Fáed Fíada (O Grito do Cervo, em irlandês). Atribuída a São Patrício e escrita nas duas línguas, ganhou esse nome porque, conta-se quando rezava, o santo se transformava num cervo para iludir os que queriam fazer-lhe mal.


"Eu me levanto hoje
Pela força do céu
Luz do Sol
Esplendor do fogo
Rapidez do relâmpago
Velocidade do vento
Profundeza do mar
Estabilidade da terra
Firmeza da rocha."

A imagem do que era divino, afinal, ainda brotava na natureza.


Continua...


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