quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O bê-a-bá da Fé - Parte 3

(Este prédio foi onde meus pais e irmãos participamos desde a chegada deles em 1969 à São Paulo.  Por todo tempo em que meu pai esteve vivo até seu falecimento em 1988, ele assumiu seu cargo aqui . Décio e Fernando ainda participam dos encontros e palestras, e eu, apenas quando vou à São Paulo no final de cada ano. Isabelle e eu passamos nosso natal juntas com nossos fraternos, amigos e companheiros, que estudamos juntos e crescemos. Acima, Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo - GLESP, do Bairro da Liberdade, uma das mais antigas do Brasil, com seus 184 anos de existência.) 

O primeiro grupo social com o qual o bebê tem contato é a família, e ela se torna toda a referência da infância desse indivíduo. 

Quando o assunto é Religião, as crianças costumam repetir o que os pais fazem. Os pais transferem aos filhos suas experiências intrínsecas religiosas no dia-a-dia e de como enfrentam seus dramas nos vários setores de sua vida, sejam esses dramas intensos ou não.

O primeiro contato com o templo pode vir na fase da "algazarra" - em que a garotada corre de um lado para o outro, impaciente, sem entender o que ocorre. 

Deve-se sempre explicar e tranquilizar os pais que a "bagunça" das crianças é boa! Eles devem levá-las, seja numa mesquita, templo, igreja, salão, exatamente, para que elas se acostumem com o ambiente, e fiquem à vontade para criarem amor pelas liturgias.


(Acima, igreja de Nossa Senhora do Carmo no Bairro da Liberdade em São Paulo, igreja que minha mãe fez questão de participar até meses antes de seu falecimento em 28 de Março de 2009. Ali, foram entregues ao pároco Salum Botelho seu terço e sua Bíblia, como sinal de devoção e um de seus últimos desejos. A Gráfica Manager que era do meu pai ficava a poucos metros dessa rua e quando tínhamos que ir até lá, minha mãe e seus filhos sempre entravam e ela rezava.) 

Algumas religiões como a Umbanda e o Budismo, oferecem espaços próprios para os pequenos nessa fase, onde são desenvolvidas atividades educativas, mas também acolhem os pequenos nas celebrações. 

Na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias já nessa fase, as crianças participam do sacramento, espécie de comunhão, em que pão e água simbolizam a presença de Jesus Cristo. 

Quando chegam aos 5, 6 anos, começa a haver um entendimento relativo do que ocorre à volta. 

Com a presença do sagrado em seu imaginário, já sabem quando devem respeitar o silêncio e repetem os gestos paternos, como o sinal da cruz e o gasho (reverência budista de mãos juntas).


(É engraçado, mas o líder religioso ou os pais não podem permitir que seus filhos ou pequenos adeptos sejam levados a esse tipo de estresse ou cansaço... Acima, criança budista, tentando, cumprir suas rezas...)

A criança deve fazer tudo o que o adulto faz, pois precisa se habituar. Mas é uma fase de treinamento para o grande espetáculo da sua vida, que começa na adolescência, quando já são capazes de assumir a responsabilidade por seus atos e suas escolhas. 

Se a criança não quer participar, porém, ela está num desvio e é a missão dos pais e participantes mais antigos do seguimento religioso mostrar os caminhos certos para que a prática religiosa se torne mais agradável e salutar. 


(Apresentação de Sophia Santos em sua Igreja. Será que isso não é muito precoce? De qualquer forma, se a criança estiver participando, se divertindo, e na presença de seus pais, então, é válido.)

A mestranda Milena Gusmão chama atenção para o perigo do autoritarismo da fé, postura ainda muito comum entre pais e líderes religiosos:

"Não se pode obrigar a criança a ir ao centro espírita ou a participar de escolinhas de evangelização. Isso pode criar uma rejeição mais tarde. A religião deve atrair, convencer, tocar a alma do indivíduo e jamais ser imposta."
Mestranda e professora Milena Gusmão

Se a religião está no dia-a-dia da família, a vontade de participar será natural, porque ela vê essa naturalidade em seus pais. 

A criança está em processo de formação e não tem todos os recursos para tomar decisões... Ela depende dos adultos para isso. O importante é que a criança seja educada para ter sensibilidade para o mundo da fé, desenvolvendo de forma estruturada seu misticismo e espiritualidade. 


Continua...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Do Berço ao Túmulo: Rituais Eternos... - Parte 1

(Prof. Goldberg, Doutor em Estudos Históricos das Imigrações Europeias para o Brasil, é um dos mais queridos e animados professores dos departamentos de História e Filosofia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, chegando em nossa cidade em 2003, trouxe consigo não apenas seu conhecimento acadêmico, mas também sua filosofia judaica, e que surpreende a todos nós ensinando como o Deus Iavé está em cada momento na vida das sociedades humanas e em suas transformações...) 

Quando Joseph Goldberg completou 13 anos, este paulistano ganhou calças compridas, pretas, especiais, de um corte próprio e característico.

(Bar Mitzvá de Nathan Tevel realizado em Jerusalém, em 2015, participante da Sinagoga Keter Menachem. Quanto mais proeminente é uma família judaica, mais ela se esforçará para que os rituais próprios de sua cultura sejam celebrados em Israel. Isso indica para seus adeptos compromisso, fervor e respeito, mas também um tipo de elitismo, que eles negam, contudo é existente...)

O presente, simbólico, mostrava que ele deixara de ser um menino e virara um homem. Enquanto seu pai o ajudava a amarrar no braço esquerdo as tiras de couro do tefelin, como é chamada a caixa que guarda os pergaminhos com as passagens bíblicas, Joseph (pronuncia-se Iosef) relembrava o trecho da Torá - o livro da revelação divina, os 5 primeiros livros da Bíblia cristã - que cantaria em hebraico para uma atenta plateia. 

(Bar Mitzvá do prof. Joseph Goldberg em 1954, em São Paulo. Ao lado pai e mãe apresentando-o à Sinagoga local.)

Havia chegado a hora em que se tornaria um bar mitzvá, um filho do mandamento... 

O ritual de passagem para o mundo adulto, segundo o Judaísmo, estava prestes a se cumprir. A partir de agora, até o final da vida de Joseph Goldberg ele será um cumpridor severo e assíduo da Torá, propagando-a aonde for e no que estiver fazendo. Ele deve sempre se lembrar que Iavé está perto dele e que o vigia, e o guarda, e que ele é uma célula de um grande corpo, que é o próprio corpo de Jacó ou Israel, neto de Abraão e pai da Promessa de que um dia, sua família teria uma terra para repousar em paz seus pés e familiares... 

(Yarmadin Goldberg, pai de Joseph Goldberg em seu casamento em Sorrento, Itália, antes de sua migração refugiando-se no Brasil da perseguição da 2ª Guerra Mundial.)

Ao longo de 4 mil anos de história, os judeus do mundo inteiro e de todas as idades vêm passando pelos mesmos rituais, do nascimento até a morte.

As cerimônias do Brit Milah (circuncisão), do Opshernish (primeiro corte de cabelo) e do Kidushin (noivado), entre outras, celebram etapas decisivas da vida do fiel, mas também revivem os ensinamentos da Torá, preservando assim a identidade cultural e religiosa do povo judeu. 

(Sarah Goldberg, mãe de Joseph Goldberg. A mulher é um elemento extremamente importante na cultura judaica e na cabala mística, pois vem dela a matriz espiritual, sanguínea e herança cultural desse povo. Na cultura judaica, um judeu só é um judeu, se sua mãe for judia também.)

"Para contar uma história de fé tão longa, as palavras são insuficientes..." - ensina o professor Goldberg durante suas aulas. 

Daí o caráter cerimonial da religião. No gesto do adolescente que carrega as tiras do tefilin ou do noivo que quebra um copo no chão, passado, presente e futuro se entrelaçam, história em renovação se misturam.

(As primeiras reuniões de famílias judias que chegavam da Europa para o Brasil, onde núcleos inteiros não sabiam nada sobre o novo país, nem mesmo falar uma única palavra em português. As Sinagogas cumpriam seu papel, mais do que nunca, de interconectar e amparar os judeus refugiados. Acima, café da manhã de uma das sinagogas mais antigas de São Paulo: Beit Chabad, sinagoga esta que abrigou a família Goldberg.)

São esses laços espirituais que mantêm a coesão do povo judeu no mundo inteiro.

Os rituais judaicos têm raízes nos preceitos da Torá e do Talmude, a compilação da tradição oral. Relembram, cada vez que são realizados, fatos memoráveis da trajetória dos hebreus, como a aliança do patriarca Abraão com Deus. 

Essas crenças perpetuadas e cultivadas milenarmente explicam o segredo da sobrevivência do povo de Israel. 

(Em sua última viagem, o professor Joseph Goldberg participa de um Bar Mitzvá e consagra a Torá (acima) trazendo para Vitória da Conquista a primeira Torá consagrada em solo israelense para a Sinagoga Keter Menachem, em Vitória da Conquista.)

São práticas que ativam um canal de sintonia com o sagrado. Por transcender a existência pontual, os ritos agregam um sentido maior para a experiência humana. 

"O judeu não repete o ritual só por questões culturais, mas também porque assim cumpre seu papel de eleito.", continua o professor Goldberg. 

O homem religioso sai do tempo linear e funda um tempo realizador, criando significados em meio à massa amorfa dos hábitos...



Continua...


terça-feira, 11 de outubro de 2016

O bê-a-bá da Fé - Parte 2

(É triste para os maçons atualmente constatarem que, apesar das muitas igrejas construídas desde a Idade Média, dos incentivos financeiros aos movimentos cristãos carismáticos católicos e espíritas feitos por nós, ainda somos julgados de destruidores do Cristianismo... Acima, vídeo produzido pela Golden Dawn e distribuído em toda a América para a busca da espiritualidade cristã americana, de 2010.)

Hoje a catequese procura integrar-se à realidade social, não é apresentada da mesma maneira num grupo de assentados e na cidade. A linguagem é bem diferente!

Há ainda vestígios do catecismo medieval, que imperou até a década de 60 e imprimia culpa na criança, reforçando conceitos de punição e pecado. 

(Quantas histórias horríveis já ouvimos sobre os colégios internos católicos, onde freiras mal-humoradas batiam ou perturbavam as criancinhas sem pais... Sim, alguns casos podem ter ocorrido, mas a verdade é que esses colégios e orfanatos católicos foram a única família de muitas crianças europeias por duas ou três décadas de suas vidas. Na 2ª Guerra, os colégios internos católicos foram o abrigo mais seguro e bem vindo para muitas crianças, onde muitas freiras foram verdadeiras mães. Acima, cenas do filme Madeline, de 1998.)

Alguns grupos de formação, principalmente em regiões não metropolitanas do país, obrigam as crianças a participar das celebrações. Mas as próprias famílias reivindicam os novos métodos. 

Os pais não aceitam mais repressão moral típica do ensino confessional.

(Esta animação está na minha prateleira de ouro na estante de favoritos. Ela conta a história dos primeiros católicos que chegam à Irlanda e disseminam sua fé ocorrendo um sincretismo maravilhoso das lendas celtas e cristãs na Idade Média. Acima, cenas da animação Brendan and the Secret of Kells, título no Brasil Uma Viagem ao Mundo das Fábulas, de 2009.)

Realizada nos próprios centros, a formação das crianças umbandistas é um exemplo dessa abertura. Quando chegam, ficam numa sala brincando.

Os trabalhos começam e elas já estão no terreiro auxiliando nas atividades mais simples, cantando e tocando os atabaques com os adultos. Lá, há também aulas de circo, teatro, evangelização e outras atividades culturais.

(Contudo, ocorreram histórias pavorosas de maltratos de crianças e adolescentes por clérigos católicos. Acima, um filme baseado numa história real, Song for Raggy Boy, ou no título no Brasil, O Inferno de São Judas, de 2003.)

Elas ainda cantam, aprendem a rezar, têm noções de curimba que é um tipo de coral com os antigos ou mais experientes instrumentistas do terreiro ensinando como pegar ou tocar os ritmos de cada entidade nos poucos instrumentos musicais que fazem parte do mundo musical da Umbanda. 

No Candomblé as crianças ouvem os pais ou mães de santos ensinando sobre os orixás, o preto-velho, o caboclo e outros temas ligados à espiritualidade desse segmento.

(Um dos momentos mais alegre num terreiro de Umbanda é a chegada dos erês no dia de Cosme e Damião, onde elementais mirins "montam" os adeptos e comem à vontade as guloseimas ofertadas. Como sinal de agradecimento, eles distribuem favores aos pedintes. Poucas religiões do mundo possuem momentos como esses, onde entidades infantis fazem parte do conjunto de rituais. Acima, terreiro de Umbanda do Bairro Zabelê, na direção de Mãe Do Carmo, de 2010.)

Sem muitas escolas voltadas para a criança no Brasil, o Budismo espalha suas sementes pouco a pouco...

O pequenos zen-budistas acompanham seus pais em retiros da religião. 

Eles aprendem a fazer seus próprios altarzinhos budistas no quarto, quando alguns deles passam pelo "refúgio", que é uma espécie de batismo em que o monge dá uma benção e um nome budista ao fiel. E, o mais importante, aprendem a meditar...

(Jesus mansamente deixou um rico e maravilhoso ensinamento sobre as crianças. Isso ocorreu, não porque ele amasse, simplesmente as crianças; mas a cultura judaica nunca teve um parecer muito pedagógico para com elas. Então, Jesus "reformula" isso, ensinando que as crianças devem fazer parte dos ritos e ajuntamentos dos adultos. Acima, ep. Deixai Vir a Mim os Meninos, do Canal Mórmon, 2015.) 

Geralmente, esses adeptos mirins, seja de que religião for, quando estimulados pela pedagogia da escola a qual fazem parte, sempre procuram apresentar seus trabalhos, seminários e treinamentos que mostram suas crenças e posicionamentos filosóficos. O professor atento, deve sempre apoiar tal iniciativa, entendendo que esse comportamento é apenas um reflexo de uma fé ainda imatura, mas que deve ser sedimentada e "curada" para que os muros ou limites próprios necessários para o indivíduo, e importantes para o núcleo familiar que ele faz parte, sejam firmemente estabelecidos.

(Nada mais irritante do que pessoas acharem que suas verdades espirituais são verdades absolutas... - É por isso que os pais, professores e adeptos devem ensinar, antes de tudo, a amarem e acolherem aqueles que não professam suas doutrinas espirituais harmonizando essa convivência. Acima, cenas do filme A Mentira, de 2010.)

Infelizmente, muitos professores, quando não repreendem este pequeno devoto, são eles mesmos que conduzem momentos de piada e exclusão entre os coleguinhas, pois a visão deles sobre religião nunca foi bem fundamentada: Esses professores, na verdade, nunca aprenderam a amar a Deus, mas apenas temê-lo ou evitá-lo.


Exemplos dos Pais

Algumas igrejas, em geral, as mais tradicionais e com um maior volume de seguidores, acreditam numa educação religiosa mais formal, baseada em dogmas e em estudos.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia encaixa-se nesse perfil.

Na escola sabatina, as crianças divididas em turmas por faixa etária, aprendem as histórias da Bíblia e recebem lições para fazer em casa diariamente. 

(Acima, uma explicação sobre o que é uma escola sabatina do canal Igreja Adventista do Sétimo Dia, de 2013.)

Desde os 5 anos, aprendem a decorar e recitar versos bíblicos. 

Os adeptos do Movimento Hare Krishna educam seus pequenos de modo diferente. 

Como a filosofia permeia intensamente toda a vida de seus seguidores - seja na alimentação (vegetarianismo), nas vestimentas, na cultura (dança, música e estética indianas), no uso do sânscrito nas leituras e nos cânticos e, no total despojamento - prefere-se investir numa formação religiosa mais livre. 

(A Nova Gokula existe desde 1978 em Pindamonhangaba-SP. Minha família a conheceu em 1984, três anos antes de haver um breve fechamento. Depois, ela abriu novamente, e hoje é um das maiores representantes da cultura hindu no Brasil. Acima, cenas apresentando a Nova Gokula, atualmente uma escola de convivência alternativa da cultura hindu, 2010.)

O exemplo é sempre melhor que os preceitos...!

Em São Paulo, a Nova Gokula faz história!

Foi a única instituição de ensino Hare Krisha no país por muito tempo! Além das disciplinas básicas, as crianças aprendem aspectos da cultura hindu. 
(Lembra dessa música? É... Essa novela fez um enorme sucesso em todo o Brasil, e me ajudou a decidir em deixar São Paulo... Toda vez que escutava essa música eu sentia meu pai me chamando... Até hoje ela mexe comigo! - Acima, a música Madana Mohana Murari, de Tomaz Lima ou seu nome mais conhecido entre a comunidade Hare Krishna: Homem de Bem, da trilha sonora da novela Pedra Sobre Pedra, de 1992.)

Tradução:

"Por seres mais sedutor que o próprio Anjo do Amor, 
Roubaste o meu coração...
Cante o nome de Deus, o nome de Deus..."

Hoje, no Brasil, os ensinamentos Hare Krishna são também transmitidos não apenas pela família, ou em casa, mas na convivência do dia-a-dia na cidade de Pindamonhangaba e em outras cidades brasileiras, como Brasília, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Na Índia, cada casa é um templo...

Os pequenos adeptos aprendem ouvindo, vendo seus pais ocupados com as atividades religiosas, e assim, as crianças vão pegando gosto.

A vivência da fé no lar é vista como primordial para o desenvolvimento espiritual da garotada por muitos religiosos, psicólogos e educadores. 

(Martin Scorcese, impressionado pela história do Dalai Lama, exilado de seu país no final da década de 90, fez este filme contando sua história. E, fez o ocidente entender como as crianças são importantes nas culturas budistas que valorizam o Carma-Yoga. Acima, cenas do filme Kudun, de 1997.)

A criança não aprende a religião num dia, mas capta a fé dos adultos.

"Ela sente que não está à mercê da fragilidade da vida ou da dúvida", explica-nos a Mestranda Milena Gusmão, nossa psicopedagoga do início dessa matéria.



Continua...

Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

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