sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O Mundo Mágico das Florestas - Parte 4

(Os nativos americanos, pois desde de 1924, os indígenas não podem ser denominados índios, já que essa palavra foi uma corruptela de Cristóvão Colombo pensando que havia chegado às Índias, adoram a música e o grupo mais famoso dentre eles é o Manantial, da tribo Apache. Este grupo já foi premiado com um Grammy em 2000. Acima, a canção Tatanka, de 2005.) 

Para a maioria dos povos indígenas, a música é a suprema expressão da espiritualidade...

É uma modalidade muito antiga e sempre usada de fala que abre o canal dos seres humanos com as divindades. 

Além da voz, usam-se também instrumentos musicais como trombetas, flautas, tambores e chocalhos. 

(Os índios brasileiros ainda não ganharam um Grammy, mas estão no caminho...! - Acima, Coral Guarani, da ilha de Parati, no Rio de Janeiro. É um lamento que diz: "Quero ser ouvido!", de 2011.)

Os guaranis, que têm especial apreço pelo canto místico, dispõem, ainda de um violão de cinco cordas. 

É na casa de rezas, dançando e cantando as palavras sagradas, que eles fortalecem o espírito para alcançar, um dia, a "terra sem males", lugar de fartura e liberdade que pode ser habitado, ainda em vida, por quem atingir a perfeição.

A Religião do índio é a sua vivência dia a dia na "casa de rezas". Eles não possuem nenhum tipo de livro. 

(Uma "casa de reza" guarani, sendo abençoada pelo pajé. Acima, cenas do documentário Ogunsu, com os índios Guarani-Kaiowá da aldeia Panambyzinho no Estado do Mato Grosso do Sul, de 2013.)

Para eles a Bíblia é algum tipo de desenho, pois a mente do homem branco é cheia de esquecimento. 

Eles guardam as palavras de seus antepassados dentro de si há muito tempo, e continuam passando aos seus filhos... É assim que, apesar de muito antigas, as palavras dos indígenas de todo mundo voltam a ser novas e, até, fazer moda.

(Quem não acha que esse tipo de música veio do céu?! - Sim... E, ainda achamos que é algo novo que chamamos de New Age, mas não é... O estilo céltico de vozes nubladas e místicas é antigo e usado pelos ictos irlandeses e ingleses, nativos daquelas ilhas. Surgido na Irlanda e Cornoalha, o estilo Irish Vocals, foi usado pelos druidas há milênios... Acima, a cantora que marcou uma geração com seu estilo irish vocal: Enya, é capaz de reeditar sua própria voz até 50 vezes fazendo uma "cama" de vozes em diáfono. Canção Anywhere Is, de 1995.)

(Mais ao norte, encontramos ninguém menos que outra "gramminizada", Loreena Mckennitt que ressuscitou a canção dos nativos escoceses, mesmo sendo canadense. Os escoceses eram os povos mais primitivos da Grande Ilha ou, atualmente, Grã-Bretanha. Acima, seu maravilhoso show na Espanha cantando The Mummers Dance, 2012.)

E, o homem branco, em algum momento, se permite aprender a elevar seus pensamentos; ver e conhecer coisas que estão longe, coisas que são antigas, mas falam tanto sobre nós mesmos. 

(E, aqui no Brasil, após nossos 500 anos de interação entre índios-africanos-portugueses-ingleses-alemães, forçosa ou não, criamos um dos estilos de música mais rico de timbre, batidas e tempos, tão difíceis de serem reproduzidos, que não existe melhor percussionista que o músico brasileiro; quer conferir? Leia a equipe técnica de qualquer álbum internacional e você vai encontrar um brasileiro ali...) 

E este estudo sobre a teologia indígena nos faz retornar a um tempo onírico, quando o homem enxergava a natureza como um lugar de sonhos e seres fantásticos; quem não bebe desse "sopro" acaba ficando com o pensamento curto e enfumaçado, como eles mesmos dizem:

"...quem não é olhado pelo xapiripë não sonha, só dorme como um machado no chão..."



Fim.:.




Referências Bibliográficas

O Rosto do Índio de Deus, de Bartolomeu Meliá e outros, ed. Vozes, 1989.

O Casamento entre o Céu e a Terra, de Leonardo Boff, ed. Salamandra, 2001.

A Arte dos Pajés - Impressões sobre o Universo Espiritual do Índio Xinguano, de Orlando Villas boas, ed. Globo, 2000.

Tuparis e Tarupás, de Betty Mindlin, ed. Brasiliense/Edusp, 1993.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O be-a-bá da Fé - Parte 1

(Canavieiras, cidade natal de meu pai, em 1947.)

(A vida de um adepto começa cedo... No centro, meu pai, ainda um menininho... Acima, loja maçônica Grande Oriente de Canavieiras, 1947.)

(Acima, meu bisavô, sr. Gaudêncio Moraes Oliveira, avô de meu pai, na cidade de Canavieiras, Introdutor Mestre/Superintendente dos Filhos DeMolay e Filhas de Jó, Grande Oriente de Canavieiras, 1940.)

(A venerável loja conquistense Cavaleiros do Oriente, onde as principais famílias da cidade se encontravam para estudos com seus filhos e fraternos, 1945.)

É uma história rara de se ver... 

Numa das minhas idas à São Paulo, numa visita ao Hospital das Clínicas, quando da minha especialização em Medicina Ayurvédica, atravessei a ala de cirurgia para a ala de terapia corporal. 

(Escolinha Islâmica ensinando sua cultura e doutrina, de 2015.)

Vi um homem entrando num dos quartos, acho que era algum tipo de ala de Pós-parto de cesarianas. Muitos não entenderam o comportamento daquele acompanhante que parecia ser o esposo da mulher recém parida, mas para mim era lógico: Ele era um muçulmano devoto...

O pai havia se aproximado do leito e pegado a criança recém-nascida, e balançou-a da forma típica, e soprou em seu rosto, a criança fechou os olhinhos numa reação reflexa. Ele soprou novamente e disse em libanês: 


يأتي من الله 

Traduzindo: 

"Vêm de Deus...!"

Essa cena, pouco típica no Brasil, mas comum na comunidade islâmica, retrata a preocupação religiosa dos muçulmanos: A criança já nasce pura, mas, ao ouvir a palavra de Allah, é abençoada. 

O objetivo mais nobre da catequese - palavra de origem grega que quer dizer "fazer ecoar" - vai na mesma trilha dessa tradição do Islã.

(Tema do Mestrado em Comportamento Lúdico e a Alfabetização - 2015, da Esp. Milena Gusmão (centro), evidenciou um intrigante fato: As crianças conseguem respeitar, mesmo o invisível ou desconhecido. Uma experiência com 50 crianças foi feita: 25 indivíduos entravam numa sala com balas e brinquedos, e a professora Milena dizia: Fique aqui, não mexa em nada, que eu já volto! - O que acontecia? As crianças "roubavam" um dos bombons. Mas, se a professora dissesse: Está vendo aquela cadeira? Ali está sentada uma fada que vigia esta sala. Não mexe em nada, pois ela me contará se você fizer isso! - Então a criança, sozinha, num intervalo de 3 min em sala controlada com monitoração de câmaras remotas, ficava quieta, e esperava pacientemente o retorno da professora. Conclusão: Quando o indivíduo, mesmo sem saber ainda equacionar o que realmente significa uma autoridade, ele, ainda assim, respeitará, se for direcionado à isso, independentemente se a diretriz for verdadeira ou falsa. Acima, crianças da Creche Bem-Querer - UESB, onde funcionários, professores e alunos usufruem de cuidados diários profissionais e pedagógicos das 6h às 21h. )

Embora a terminologia seja utilizada apenas pela Igreja Católica, seu significado é muito semelhante ao que o pai muçulmano fez com seu filho e ao que diversas religiões fazem com seus fiéis mirins: transmitem-lhes suas crenças, seus ritos e suas doutrinas. 

A criança é frágil e dependente... E não pode ficar à mercê da vida "biológica" dos adultos. A religião consegue, independentemente de sua apologia, trazer um amparo, que sim, pode ser uma ilusão num primeiro contato na vida do indivíduo, que prepara-o, por meio de filosofias mais sedimentadas numa moral estrita, uma forma da criança enfrentar as dificuldades de sua inserção na sociedade com menos medo, e mais propriedade de comunidade.

(Uma família ou crianças que crescem sem uma noção religiosa que molde sua personalidade, comprovadamente, são mais ansiosas, desobedientes e rebeldes. Acima, cenas Dona Hermínia, personagem do humorista Paulo Gustavo.)

Esse contato inicial é importante para a criança conhecer a história da religião, saber como funciona na prática, tirar dúvidas, mas, principalmente, para que ela construa sua fé com base no conhecimento. 

Não se pode acreditar em algo que não se conhece...

(A maçonaria de Vitória da Conquista também tenta disseminar suas doutrinas de muitas formas levando os filhos dos adeptos para estarem em contato com outras crianças. Acima, atividade social do Dia das Crianças-2015, em Lucaia, com a participação de irmãos e cunhados sob a supervisão do Fra. Saullo Torres (centro) da venerável loja Cavaleiros do Oriente, Grande Oriente de Vitória da Conquista - GOB.)

Por isso, muitas vertentes religiosas criaram suas próprias escolas e universidades, para que nesse ambiente inicial e produtivo, a fé e suas doutrinas possam ser ensinadas aos novos fiéis. Na escola islâmica, os mais novos aprendem a base de sua fé. Escolas Batistas, Adventistas e Católicas se multiplicaram no Brasil como uma forma de conter e ensinar uma moral mais estrita a seus alunos. 

(De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases/1996: o ensino religioso nas escolas brasileiras deve seguir um regime de liberdade de crenças. Cabe ao professor contribuir para a formação do cidadão, ensinando a história de todas as religiões praticadas no Brasil. Acima,  inserção da criança na cultura teológica do Candomblé, de 2015.)

Seja a Umbanda ou no Islamismo, ou em qualquer religião, seja em casa ou numa escola, a formação religiosa apresenta aos pequenos, conceitos morais e éticos e estimula sua participação numa comunidade. 

Em todas as culturas, há milênios, a religiosidade sempre esteve presente como fonte de valores, dando sentido à existência. 

Deixar a criança crescer sem religião é muito ruim, pois ela fica no vazio, sem parâmetros. Não quero dizer que quem não tem Deus não têm valores, mas é importante a criança saber que temos um Criador olhando por nós...


Múltiplas Visões

Em níveis e de formas diferentes, todas as igrejas ou agremiações teológicas preocupam-se com a educação religiosa de suas crianças. 

(Coralzinho do Colégio Adventista de Vitória da Conquista, um complexo que não para de crescer e traz para a cidade uma forma de integrar a fé e as doutrinas adventistas às crianças de nossa cidade. Apresentação em libras com o prof. Júlio Moreiro e Thaianna Ribeiro, 2015.)

Escolinha de Moral Cristã, para os espíritas; Escolinha Primária, no jargão dos Mórmons; Escola Dominical para os evangélicos e Batistas; Escola Sabatina para os adventistas; e Catequese para os católicos, ou Gurukula, conforme os adeptos do movimento Hare Krishna - os nomes são diferentes, mas o objetivo é o mesmo: semear a fé e oferecer aos pequenos o acesso à essência de cada religião.

Vai longe o tempo em que isso era feito com palmatória na mão e discurso pronto na boca. A formação religiosa tem acompanhado a evolução da educação, abrindo espaço para a discussão e respeitando as diversas crenças. 

(Professor Raimundo, "tia" Rosália, Jomas, Fábio e outros queridos... Foi nessas pequenas conversas que tudo começou... Quando dá tempo a gente até tenta participar. Acima, atividade Café Literário, de jun/2016.)

(A escolinha Opção Kids, tenta ensinar, de forma pedagógica, uma filosofia teológica saudável, onde o respeito ao próximo é prioridade em nossa cidade.)

Nada de ajoelhar no milho ou decorar a definição de Deus...

O novo jeito de ser das pessoas exige uma catequese diferente, que acompanhe o ritmo das mudanças sociais... 

(O grupo musical batista Diante do Trono, foi o primeiro a perceber a necessidade de implementar músicas lúdicas e de fácil compreensão para crianças. Filha de pai pastor e de uma família bem sucedida, Ana Paula retornou ao Brasil, após uma longa temporada estudando nos Estados Unidos, trazendo consigo a cultura americana de introdução psicológica da criança nos templos. Acima, a canção que virilizou em 2005, Aos Olhos do Pai.)

Músicas animadas, passeios, dinâmicas de grupo e recursos audiovisuais que utilizem a linguagem do dia a dia da criança estão entre as novidades. 

(O professor Cesar Kusma palestra sobre como deve ser a função e o novo comportamento de uma escola católica, de 2014.)

O mais marcante, no entanto, foi a mudança de conceito, especialmente na Igreja Católica. Não se utiliza mais a "pedagogia do medo". 

Com medo de Deus, as crianças distanciavam-se Dele. 


Continua...



sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O Mundo Mágico das Florestas - Parte 3

(Êta, saudade das minhas férias em Macaúbas... Todas as nossas férias escolares eram passadas por aqui, Macaúbas-BA, quando tudo ali era só mato e lendas... A gente fugia dos rodamoinhos de vento, dos cavalo-do-cão e, claro, dos curupiras: Seres estranhos, invisíveis às vezes, apesar que meus coleguinhas e primos juravam de pé-junto que já tinham o visto... Um ser bizarro que te encontra e te perde na floresta! Acima, cenas de Eu Juro Que Vi: A Lenda do Curupira - Documentário distribuído pelo depto. História-UNESP para escolas públicas, de 2011.)

Na floresta, muitos são os perigos sobrenaturais...

Entre os cintas-larga de Rondônia, por exemplo, teme-se o Pavu, uma entidade que mata os incautos que encontra no mato. 

A antropóloga e professora Carmem Junqueira conta que o Pavu tem o dom de se transformar em algo atraente para o índio (pode ser um parente querido que já morreu ou uma caça). 

(O Pavu, tema do festeiro Edu Rossi, no desfile anual de Paratins, em Manaus, Amazonas.)

O índio que olhar para ele pega febre ou morre!

Por isso, os índios não costumam ir sozinhos para a mata:

"Muito menos à noite...!"
Carmem Junqueira

Segundo os kamayurá, um indígena que já morreu e não foi para o mundo dos mortos, também pode se tornar uma entidade maligna.

(O novo remake do Sítio do Pica-pau Amarelo, todo mundo é politicamente correto: Pedrinho respeita a Narizinho, a Emília não é tão peste, todo mundo é assustadoramente magro, e as guloseimas de tia Anastácia, ah..., perderam a graça... Mas, enfim, novos tempos, novas abordagens... Acima, a história do Saci, uma entidade que não é nem maligna nem boazinha, ela quer apenas "causar". O Saci é um exu-mirim, um elementar em transição, que ainda não decidiu exatamente se quer ajudar ou prejudicar a evolução humana. Na cultura africana, eles habitam as florestas e podem tanto ajudar como prejudicar o caçador. Cenas de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, ep. O Saci, de 2009.)

Daí, quando morre um índio, os indígenas executam cuidadosos rituais para que a alma encontre, com segurança, a Aldeia Das Almas ou o "mundo superior na luz da divina providência".

Do nascimento à morte - e até depois dela - o índio brasileiro participa de diversos rituais. O primeiro, importantíssimo, é a adoção do nome. 

Em geral, é o xamã que dá o nome à criança, depois de o procurar, em transe, pelo mundo dos mortos. 

(Na teologia indígena americana, o nome é um Daimon ou Totem, é uma representação da força e dignidade de uma entidade, tão poderosa que anima a sua vida e te protegerá em qualquer circunstância. A priori, essa também seria a explicação para que em rituais de iniciação o nome do adepto seja mudado. O seu nome "chama" a entidade-força à ter vida em você mesmo! - Acima, cenas da animação Irmão Urso, de 2003.)

(Sobre isso, escreveu Philip Pullman, o qual fez uma pesquisa interessante dos mitos gregos e egípcios para compor seus personagens e história. Os livros são maravilhosos e instigantes; o filme, infelizmente, e por causa da crise americana da época, não embalou os outros capítulos da série... Acima, cenas do filme A Bússola de Ouro, de 2007.)

Assim, a criança que recebe esse "nome-alma" é, também, uma reencarnação desse ancestral. 

Os índios que se convertiam para o Cristianismo ficavam muito surpresos quando o padre, na cerimônia de batismo, perguntava o nome aos pais indígenas da criança, e , eles retrucavam:

"Então o senhor não sabe?!?"

Ao longo dos anos, na rotina cotidiana de uma tribo, outros ritos se sucedem, muitos deles relacionados à passagem de uma fase a outra da vida, como a reclusão que as meninas fazem na puberdade (mencionado na postagem anterior), a iniciação dos meninos no grupo dos homens, as cerimônias funerárias ou mesmo o Kuarup.

(Ritual do Kuarup em homenagem aos mortos, uma festa típica no Xingu, 2011.)

Realizado pelos povos do Xingu, o Kuarup pode ser compreendido como um ritual de despedida dos mortos.

Durante a festa, os mortos - representados por toras de madeira enfeitadas - são pranteados pela comunidade, mas também homenageados por cantos, danças e lutas. 

(A teologia judaica também mostra algo parecido: O rei devia possuir um formato parecido com o faraó, afinal, Moisés aprendeu como deveria ser uma monarquia: O rei era um tipo de guia espiritual, mas não possuía prerrogativas para receber palavras ou mandamentos diretos de Deus; isso era uma atribuição do Sumo-Sacerdote ou de algum profeta, elemento espiritual surgido entre o povo, contudo não reconhecido entre o clero. Acima, cenas do filme Rei Davi, de 1985, sobre a passagem de 2 Samuel 6:12-15.)

Nos ritos de passagem, bem como em cerimônias relacionadas ao plantio e à colheita, pode entrar em cena outra liderança religiosa: o "sacerdote", cuja função pode ser assumida também pelo pajé, de acordo com a tribo.

O Sacerdote é o tipo de especialista que domina o conhecimento esotérico do sagrado, mas não tem, necessariamente, contato direto com os espíritos, o que seria prerrogativa do pajé. 

Em vários grupos indígenas, é aquele que entoa os cantos sagrados.



Continua...



Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

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