sábado, 15 de abril de 2017

Eterno Universo Recriado! - Parte 4

(Acima, arte e maquiagem do filme Apocalypto que se inspirou na criação artística dos povos maias e astecas.)

Os antigos habitantes da Mesoamérica também seguiam o calendário nos rituais específicos para o casamento e o nascimento. 

Um dos mais conhecidos que se têm notícias é o dos astecas.

A noiva era conduzida para  a casa do futuro marido em padiolas ou sobre as costas das senhoras casamenteiras. Os noivos eram colocados diante do fogo e aí mantinham-se sentados até que terminasse toda a festa. 

(Atendente da pousada em Tulum onde nos hospedamos. A cultura mexicana é extremamente diversificada, e em todo o país ainda há fragmentos linguísticos misturados com o espanhol da época dos confrontos entre os mesoamericanos e espanhóis.) 


(As feiras do México são muito parecidas com as nossas feiras de fim-de-semana praticada no Brasil: Vendem-se roupas, frutas e alimentos numa profusão tão colorida e cheirosa que o visitante fica tonto com tanta beleza e cor!)



(Xochiquetzal é a representação da beleza e feminilidade mesoamericana no México, e foi uma personagem real e mítica ao mesmo tempo: Ela foi a princesa asteca que salvou seu povo do dilúvio.)

O sacerdote realizava o matrimonio unindo a camisa da noiva ao manto do noivo. Eles também tinham uma cerimônia semelhante ao batismo, considerada o segundo nascimento. 

Era praticada dentro da trezena em que havia nascido o bebê 

(Noiva da cultura maia e asteca.)

Durante os primeiros raios do sol do dia, o celebrante despejava um recipiente com água sobre a cabeça da criança. Com isso uma fração do deus penetrava em seu corpo e ele levava o nome secreto da data da cerimônia.

O destino da criança estaria sempre atrelado a essa data, porque ela carregaria para sempre as características do seu deus. 

O toda a vida, sua luta seria equilibrar suas más tendências vindas do deus protetor com os dons divinos herdados. 

(Acima, Ritual de Toxcatl.)

Daquele ritual em diante, a criança serviria ao seu deus com orações, oferendas e todos os rituais necessários. Afinal, as novas gerações eram responsáveis por manter  Fogo Novo sempre aceso e delas dependia a recriação diária do universo. 

As Razões dos Sacrifícios Humanos

Os sacrifícios humanos não eram praticados gratuitamente pelos mesoamericanos. Serviam como preparação de uma guerra, retribuição aos deuses pelos presentes naturais oferecidos e, especialmente, para a renovação do cosmo. 

Cada deus pedia um sacrifício.

(Imagem do filme Apocalypto, de 2006.)

As formas mais comuns eram extrair o coração do indivíduo, atirar flechas nele ou decapitar prisioneiros de guerra e escravos, vistos como imagem dos deuses. 

O sacrificado podia ser drogado com plantas alucinógenas nas cerimônias. Dependendo do ritual, sua pele era retirada e vestida pelo sacerdote e a carne do seu corpo, comida.

Um dos rituais mais importantes era o "Rito de Tóxcatl", em honra ao deus Tezcatlipoca, patrono dos jovens guerreiros. 

(Os cenotes são recantos naturais, frutos dos lençóis freáticos subterrâneos. Foram, por muito tempo enquanto durou a cultura asteca e maia, locais sagrados de oferendas e cultos aos mortos.)

O prisioneiro, escolhido pelo corpo perfeito era pintado, ornamentado e vestido para que fosse a imagem viva do deus 

Recebia quatro esposas consideradas deusas. 

Tinha de abandonar todas as riquezas que havia ganhado no dia de sua morte, era levado para um templo fora da cidade. 

O sacrifício ocorria para que Tezcatlipoca pudesse renascer com vigor. Depois, um novo rapaz era eleito e o ciclo se repetia: ao longo de um ano, recebia os melhores tratos até ser sacrificado.

(Acima, uma urna de pedra onde eram guardados os objetos sagrados para os devotos que desejavam se autossacrificar.)

Autossacrifícios e mutilações, com objetivo de oferecer o sangue à divindades também eram comuns. 

Braços, pernas, órgãos genitais, língua e orelhas eram cortados com espinhos. Crianças tornavam-se oferendas quando nasciam albinas; eram sacrificadas em homenagem ao sol. 

As Moradas dos Mortos 

Quando alguém morria, viajava para um mundo subterrâneo específico, conforme a causa do falecimento. 

Na crença indígena, nesses mundos, os mortos iam ajudar o deus que provocou sua morte e realizavam tarefas importantes, como conduzir a chuva, fazer brotar as plantas e curar doenças. 

Após quatro anos, todo o vestígio de existência do coração do morto, onde morava seu pensamento e sua essência, era apagado. Virava, então, uma semente divina, reutilizada na criação de outro ser. 

Os falecidos de morte comum iam para o Mictlan, um inframundo presidido pelo deus Mictlantecuhtli e sua esposa, Mictecíhuatl.

Era o mais profundo dos nove pisos do mundo subterrâneo. Os mortos deveriam passar por ventos gelados, rios perigosos e outros desafios. 

(Animação produzida pela Instituição Rámon López Velarde, de 2012.)

Já o céu a morada do Sol, era reservado para as vítimas de combate os oferecidos a sacrifícios solares, as mulheres mortas no primeiro parto e os comerciantes. 

Os afogados, atingidos por raios e os que tiveram doenças que causavam bolhas na pele eram encaminhados para Tlalocan, o mundo do deus Tláloc onde havia muita vegetação. 

Esses mortos eram os únicos enterrados porque cremavam-se os demais. 

Um dos destinos mais singelos era os bebês que morriam cedo, antes mesmo de terem provado alimentos sólidos. Eles iam para Chichihualcuauhco, onde não passariam fome. 

Lá, regalavam-se com o leite dos frutos da Árvore Nutriz até terem nova oportunidade de vida.



Fim.:. 




Referências Bibliográficas

Deuses do México Indígena, de Eduardo Natalino dos Santos, ed. Palas Athenas, 2002. 

El Fuego Nuevo, de César A. Saenz, ed. Instituto Nacional de Antropologia e História do México, 1967.

La Religíon Maya, de Miguel Rivera, ed. Alianza Editorial, 1986.

INAH - Instituto de Antropologia e História do México.








  

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Alma Indígena ou não... Eis a Questão! - Parte 2


O livro de Sepúlveda, Democrates Alter, Sive de Justis Belli Causis, tradução: "Das justas Causas da Guerra contra os Índios", tinha como objetivo dar suporte filosófico a esse procedimento, no estilo dos diálogos de Platão.

O personagem-título, Demócrates, com ajuda do sanguinário conquistador do México, Hernán Cortez, argumentava que os índios nasceram para serem subjugados e que não aceitavam a verdadeira fé senão pela força.


(Acima, cenas do canal privado EuroNews, de 2011.)

(E se Deus fosse um cara que gostasse de sacrifícios humanos mesmo?! Acima, uma engraçada reflexão do grupo humorístico Porta dos Fundos, de 2013.)

"Além do mais", continua Demócrates, "os invasores têm papel humanitário, pois acabam com os sacrifícios humanos praticados pelos índios em suas cerimônias pagãs". 

Apesar de toda a sua reputação de intelectual, Sepúlveda teve problemas em divulgar a obra na sua terra natal porque ela batia de frente com a posição oficial da Igreja. 

(Acima, nossa visita à Punta Sal no Peru, onde por muito tempo, e até hoje, portugueses e espanhóis viveram e decidiram a vida de toda a América Latina. Hoje, não passa de uma parada bucólica e romântica para turistas.)

Esse texto foi proibido pelo Conselho das Índias [o órgão que geria a colonização espanhola na América] e pelo Conselho de Castela, depois da opinião das universidades de Alcalá e Salamanca. 

Foi editado na Itália e, tecnicamente, estava proibido de circular na Espanha. Mas as suas ideias expressavam uma corrente do pensamento jurídico espanhol.

Foi contra essa corrente que Bartolomé de Las Casas lutou boa parte de sua vida. 


Defensor das Américas

Ironicamente, Las Casas começou sua vida na ilha Hispaniola (onde ficam os atuais Haiti e República Dominicana) como qualquer outro espanhol: comandando escravos. Ele chegou à América com 18 anos, vindo de Sevilha, e na época era apenas um clérigo - recebera as chamadas Ordens Menores, que não tornavam o indivíduo um sacerdote pleno. 

(A ilha Hispaniola ainda vive... Atualmente a ilha se tornou em Haiti e República Dominicana, no Caribe. Após 13 anos da presença da Missão de Paz Brasileira, ainda é muito problemática a vida de seus cidadãos pós-terremoto, onde a maioria de seus habitantes são descendentes de uma época de opressão e escravidão medievais.) 

Mas a terra recém-descoberta do outro lado do Atlântico não era uma estranha completa: o pai de Las Casas participara de uma das viagens de Cristóvão Colombo e até trouxera um menino índio como "presente" para o filho na volta para casa. 

(A mesma época, mas numa perspectiva dos inimigos... Acima, um maravilhoso filme do diretor indiano Shekhar Kapur, Elizabeth: Era de Ouro, de 2007.)

As aventuras paternas estimularam o jovem Bartolomé a deixar a Espanha e transformar-se num encomiendero (senhor de uma encomienda, como era chamada a terra cedida pela Coroa espanhola na América) em Hispaniola e em Cuba. 

Las Casas tornou-se exemplo de bom administrador, do colonizador que dá certo, e recebeu elogios do próprio governador.

(Muito tempo depois, em toda a América, o motivo da morte e escravidão dos índios e negros ainda continuava o mesmo: As lavouras de Cacau, o maior e mais caro produto já produzido no mundo... Acima, cenas da novela brasileira Renascer, exibida pelo canal público Rede Globo, de 1993.)

O jovem clérigo sofreu uma virada espetacular de pensamento e conduta, estimulada pelo fato de que teria reconhecido a bondade do povo nativo da América. 

O primeiro passo dessa mudança foi a chegada dos frades dominicanos a Hispaniola, onde fundaram um convento em 1510.

Já ordenado padre, Las Casas logo percebeu que a Ordem não parecia nem um pouco disposta a contemporizar com a escravidão. 

(A vida nas colônias espanholas era algo tão solitário, que a América, por muito tempo, foi vista como um lugar de castigo para os europeus. Um sacerdote sofria muito aqui, ao se deparar com a crueza dos colonos e a naturalidade social dos indígenas. A combinação disso, era um drama de difícil convivência, onde amor, ódio e corrupção viraram História. Acima, cenas do filme A Letra Escarlate, mostrando a colonização da América do Norte pelos puritanos, que sofreram seus próprios revezes semelhantes aos espanhóis, de 1995.)

A certeza veio com um sermão, preparado em conjunto pelos frades recém-chegados e proferido diante de toda a comunidade de Santo Domingo. 

"Con qué derecho?", teria bradado frei Antonio de Montesinos diante de uma assembleia atônita de colonos espanhóis (Las Casas entre eles), em meados de dezembro de 1511. 

Sem meias-palavras - e muito antes do papa -, o sermão exaltava a plena dignidade humana dos indígenas e dizia que a própria alma imortal dos colonos estava em risco, caso persistissem em escraviza-los, pois não tinham esse direito. 

Las Casas parece ter se emocionado com o discurso, mas não tomou nenhuma atitude.

(Mas, em todo o mundo e, por muito tempo, o sacerdócio produziu homens iluminados, assassinos, corruptos e dedicados... Acima, cenas do filme O Nome da Rosa, de 1986.)

Certa vez, quando foi se confessar e um dos dominicanos pediu que libertasse seus escravos para que fosse absolvido, preferiu partir sem a absolvição.

A grande mudança veio quando o padre se engajou como capelão militar numa expedição que visava colocar toda Cuba sob domínio espanhol.


Continua...




Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

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