quarta-feira, 20 de julho de 2016

Maria, a Face Feminina de Deus - Parte 5

(Maria se despede de nós silenciosamente... Tão misteriosamente, que os primeiros cristãos não tiveram outra alternativa do que acreditar que ela fora elevada ao céu... Assim, surge a doutrina da Assunção de Nossa Senhora.)

Maria despede-se da Bíblia discretamente, num trecho de Atos dos Apóstolos que relata sua presença numa reunião dos apóstolos com as mulheres.

"Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, estando entre elas Maria, mãe de Jesus e com os irmãos dele."
Livro Os Atos dos Apóstolos 1:14

Pouco se sabe sobre o que teria ocorrido a ela depois...

Mesmo sem respaldo nos evangelhos, a Igreja Católica confirmou o dogma da Assunção, decretando que Maria não morreu - foi levada, de corpo e alma, aos céus. 

(As cruzadas foram uma forma de conter os invasores do leste que ameaçavam tanto a Europa como a nova fé cristã. Acima, cenas do filme Cruzada, de Ridley Scott, de 2005.)


(São Bernardo, um abade francês (1090-1153) foi um cisterniense que engajou-se numa única tarefa: inflamar os corações dos lordes europeus para lutarem pela liberdade de Jerusalém e de Maria. Com visão no céu , mas também na terra, muitos nobres empreenderam uma difícil tarefa de defender as fronteiras da fé por alguns dobrões de ouro.)


(Nesta tarefa, situações misteriosas aconteceram: Muitos europeus foram apresentados a uma teologia completamente nova para eles: A Cabala. A mistura dos conhecimentos druídicos europeus com a Cabala mística judaica, fez nascer, inesperadamente, os Templários. Mistérios e conspirações, então, nasceram de uma ordem que só tinha um único objetivo: Proteger os verdadeiros servos (ou filhos?) de Deus. Acima, cenas do filme O Código Da Vinci, de Ron Howard, de 2006.)

Apesar das poucas citações bíblicas, a figura mariana cresceu em importância com a expansão do Cristianismo. No fim da antiguidade, muitos fiéis invocavam a proteção de Nossa Senhora durante as invasões bárbaras. Mas quem difundiu mesmo a devoção a Maria pela Europa foi São Bernardo, no século 12. A partir daí, é que foram construídas as grandes catedrais marianas.

Nossa Senhora ou Notre Dame, Madonna, Our Lady, é hoje o segundo maior símbolo cristão, atrás apenas da cruz. 

(Dentre outras catedrais medievais, Notre Dame, na França, é o ápice da arte sacra e gótica. Envolta em mitos, a catedral possui em sua arte conhecimentos místicos, cabalísticos e alquímicos, provavelmente, idealizados pelos templários que financiaram sua construção em 1163. Grande estudioso do assunto, Fulcanelli (1839-1923), deixou um amplo estudo sobre isso em suas obras Os Mistérios das Catedrais (1926) e As Mansões Filosofais (1930), que não podem faltar numa estante, minimamente descente, do estudante sobre o assunto.)


(Victor Hugo (1802-1885), escritor e muitas outras coisas, escreveu numa das obras mais enigmáticas da literatura francesa: O Corcunda de Notre Dame. Na obra Victor deixou pistas e símbolos disfarçados nos personagens sobre a magia, religião e cabala. Acima, cenas do filme O Corcunda de Notre Dame, de 1997.)

Não é à toa que as Nossas Senhoras se multiplicaram, ganharam inúmeras faces e somam mais de mil denominações. 

Nos séculos 19 e 20, o culto ganhou novo impulso, com as aparições e com as novas verdades de fé declaradas pela Igreja Católica. Além dos dogmas mais antigos:

- Maternidade Divina - Concílio de Éfeso, em 431
- Virgindade Perpétua - tradição cristã
- Imaculada Conceição - Papa Pio IX, 1854
- Assunção - Papa Pio XII, 1950

Não é difícil encontrarmos fiéis que amem e venerem Nossa Senhora como a Jesus Cristo - o apego à "mãe querida" cresceu tanto que seu status quase se iguala ao de uma deusa. 

Por baixo do pano, Maria é uma "deusa oculta" do Cristianismo. 

(Na obra célebre de Marion Zimmer Bradley, a série de livros As Brumas de Avalon, tenta refazer os passos numa visão celta da Deusa Mãe que se transformou na Mãe de Deus. Acima, cenas do filme As Brumas de Avalon, de 1999.)

Doutrinariamente, é errado adorar Maria, só se pode adorar a Deus. Mas, a linguagem do afeto é sempre exagerada...

De fato, em algumas culturas, o carisma de Maria tornou-a a personagem perfeita para substituir as deusas reais de religiões primitivas.

Dados arqueológicos, confirmados pela Antropologia e História das Religiões, comprovam a presença de deidades femininas desde a era paleolítica.

(A deusa Ísis amamentando seu filho Hórus, uma cena que é tão importante na arte sacra humana, que a própria igreja católica se apropriou dessa representação para identificar Maria.)

Os exemplos vão da deusa egípcia Ísis (3.000 a.C.) à babilônica Ishtar (2.000 a.C.), passando pela chinesa Kwan'nin - todas representantes da tradição maternal. 

O culto à Virgem continua muito forte porque ele representa o arquétipo da Grande Mãe. 

Na psicologia, arquétipos são padrões de comportamento coletivo comuns a toda a humanidade.

(Virgem, Maria?!? - Talvez não... Um estudo mais atualizado sobre o uso dos verbetes hebraicos Almah e Bethulah que aparecem na Bíblia, não poderiam ser traduzidos, em Isaías 7:14 como "virgem": "Uma virgem dará a luz...", a tradução correta seria: "Uma jovem dará a luz...")

Nessas crenças matriarcais, acreditava-se que o poder da procriação estava apenas nas mãos das mulheres - o papel do homem na reprodução era desconhecido. 

A função do arquétipo da Grande Mãe ou a Mãe Natureza é ser responsável pela alimentação, calor e proteção. Mesmo com a preponderância do Deus criador (geralmente tido como masculino) no Judaísmo, a Grande Mãe continua presente nas Nossas Senhoras e, por que não, em Cristo. 

Maria transmitiu algumas características femininas a Jesus: a misericórdia, a compaixão, a capacidade de perdoar e de amar. 

Nessa associação como as deusas matriarcais, Nossa Senhora tornou o Cristianismo mais acolhedor. Maria foi substituindo as deusas antigas. Isso permitiu que o Cristianismo penetrasse em outras culturas com certa facilidade. 

(Nossa Senhora Aparecida que participa de um ciclo misterioso das Nossas Senhoras Negras, é o rosto brasileiro de amor, compaixão e abnegação... Essas personagens são muito antigas e na Europa foram encontradas mais de 400 representações dessa antiga deusa que se transformou em Maria, a mãe de Jesus.)

O que há de mais especial sobre Maria para os fiéis é justamente o conforto de encontrar nela várias faces: ora a mulher doce e cheia de compaixão, ora a mãe forte e corajosa que está ao lado do filhos em seus momentos mais críticos. 

Um raro exemplo de amor incondicional que nada pede em troca...


Continua...



terça-feira, 12 de julho de 2016

O Mundo Mágico das Florestas - Parte 1

(Carmem Junqueira, professora há mais de 25 anos da disciplina de Antropologia, Fundadora da Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-BA, querida e amada mestra de todos os alunos de História, Sociologia e Filosofia da UESB - Vitória da Conquista e autora do livro que é referência no estudo da vida indígena brasileira: Antropologia Indígena.)

Cai a noite no Alto Xingu...

Na aldeia Kamayurá, todos se recolhem às redes.

Exceto uma pessoa, a antropóloga Carmem Junqueira, nossa querida e estimada professora da disciplina de Antropologia dos Departamentos de História e Filosofia da UESB - Universidade Estadual do Sudoesta da Bahia, campus Vitória da Conquista. 

Ela padece de uma dor de ouvido lancinante...

Chama o pajé Tacumã e avisa que vai até o posto de saúde mais próximo. Ele tenta dissuadi-la, consciente dos perigos naturais e sobrenaturais que a floresta oferece. 

(Pajé Tacumã Kamayurá, uma celebridade de nossas aldeias indígenas, foi um dos mais procurados pajés-xamãs do Brasil. Falecido em 25 de agosto de 2014, deixou um legado de amor à natureza e a sua própria natureza indígena. Faleceu aos 83 anos.)

Nem mesmo ele ousaria enfrentar os espíritos soltos na escuridão!

Mas a antropóloga reúne suas últimas forças, pilhas para a lanterna e balas para seu revólver, disposta a encarar as duas horas de caminhada até o posto médico. 

Tacumã, num corajoso gesto de cavalheirismo, dispõe-se a acompanhar a cientista. Antes da partida, porém, tenta um último recurso para mantê-la na aldeia:

"Posso te curar?" - pergunta com respeito, pois sabe que a antropóloga não professava a fé indígena. 

Também por respeito ao pajé, a pesquisadora aceita o ritual.

(Acima, tribo Kayamurá, do Alto Xingu, uma zona terrestre que pertence ao Parque Indígena do Alto Xingu - Mato Grosso. Criado em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros, abriga 14 etnias. Administrado pelos irmãos sertanistas Villas-Boas, é referência de estudos acadêmicos brasileiros e internacionais sobre nossa herança e carga genética da América do Sul. Acima, reportagem do programa Globo Natureza exibido em 2011, produzido pela Rede Globo, canal público.) 

Ele a deita na rede e repousa, suavemente, a mão sobre a parte do rosto que dói, enquanto solta baforadas do fumo nativo, o patum.

Professora Carmen, nos diverte, lembrando:

"Em menos de dez minutos, senti todo o lado do rosto adormecido, como que anestesiado, e a dor passou!"

Quando finalmente, a professora foi ao médico, ela descobriu que estava com uma inflamação grave no nervo Trigêmio, daquelas que se trata com doses cavalares de anti-inflamatórios e analgésicos. E, até hoje, ela não encontrou explicações científicas para o que lhe aconteceu.

Ela finaliza sua história:

"O pajé vive num mundo mágico...

"Ele prevê a chuva, faz benção para a roça, conversa com todos os animais e outras coisas que a gente não pode nem falar, nem ver, senão vão dizer que estamos inventando... Mas, eu sei que essas coisas, de um jeito misterioso, existem..." - Ela ri, e toda a sala ri junto!

Figura fundamental na relação do indígena com o sagrado, o pajé começa a assumir novo papel: o de porta-voz das tradições religiosas e culturais.

(Pela primeira vez, acompanhando a onda de "aceitação pluri-social" dos americanos, o Brasil oficializa a religião e cultura indígena como uma vertente filosófica válida e que deve ser respeitada sob pena de prisão inafiançável. Acima, programa educacional do canal público TV Cultura, exibido em 2012.) 

No II Encontro Nacional dos Pajés, que deverá ocorrer em outubro deste ano, na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, eles defenderão o diálogo dos saberes tradicionais com a ciência e a "oficialização" da religião indígena.

O Cacique Santixiê Tapuya, um dos organizadores do evento, explica que, mais do que um reconhecimento formal ou burocrático, o que os índios querem, mesmo, é o respeito dos brancos para com os valores espirituais dos primeiros habitantes do país. 

Atualmente, e já há algum tempo, a cultura indígena brasileira, acompanha uma onda mundial, que busca a visibilidade na sociedade moderna. 

Conhecer a diversidade de conceitos e práticas espirituais de cerca de 230 povos não é uma tarefa simples!

A própria palavra "religião" é inadequada para descrever a espiritualidade que foge dos formalismos e das estruturas de poder. 

Na base da teologia indígena, cada índio - criança, jovem ou adulto - tem sua força espiritual. Cada um tem livre determinação e capacidade de se relacionar com o seu Criador.

(Hoje, existem vários departamentos de História de Universidades estaduais e federais que disponibilizam para as escolas públicas do Brasil um ciclo educacional sobre as lendas e mitos indígenas brasileiros. Acima, ciclo da Tribo Bororo, realizado pela equipe de Áudio-Visual e turma de Jornalismo e História da USP, de 2014, televisionado pela TV Cultura.)

O indígena reconhece o sagrado na natureza.

O melhor meio para se falar de uma fé indígena, assim no singular, é buscando o que há de comum entre as diversas crenças e rituais. E, certamente, a estreita ligação com a natureza é o fio condutor que nos leva diretamente aos mitos da criação, presentes em diversos grupos. 

O aparecimento do Sol e das Estrelas, das plantas, dos animais e alimentos é explicado pela ação de diversas divindades. Embora, em algumas culturas exista a figura de um herói criador, ele não tem o mesmo "peso" do Deus cristão. 

Para o índio não existe a noção de um Deus supremo. 

E, há, também, em vários grupos indígenas, a chamada mitologia dos gêmeos (em alguns povos, substituídos por pai e filho) que representam as forças da criação e destruição. Enquanto um cria, o outro destrói e, assim, equilibram a ordem do mundo.


(Tupã é a força primária, o raio que gerou o Mundo a serviço de Lamandu, o Deus Criador.) 

(Trabalho "A Sociedade Indígena", da turma de História-2009, realizado pelos graduados: Tavinho Fonseca, Sara Cristine, Camile Almeida e Vanderson Lupe. Acima, canção Tupã dos Homens às Flautas.)

Para quem já está se perguntando por onde anda Tupã, nome que a gente aprende ainda na escola vale uma correção histórica:

Tupã não é o "Deus dos Índios" como a cultura leiga (e branca) impôs. 

Os colonizadores adaptaram o termo que os tupi-guaranis usavam para o trovão e disseram que eles adoravam Tupã (a força das tempestades, constantes, na época, por todo Brasil).


Continua...



Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

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