quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Maria Madalena - A Primeira Apóstola da Igreja - Parte 3



Primeira Testemunha

Mesmo nos textos bíblicos - escritos, vale lembrar, por homens - a importância de Maria Madalena é inegável. Não é exagero dizer que, nos evangelhos, o nome dela lidera a lista de mulheres discípulas da mesma maneira que o nome de Simão Pedro encabaça a lista de discípulos masculinos. Além disso, a presença de Madalena em momentos decisivos da Paixão de Cristo foi notada pelos quatro evangelistas. Ela esteve aos pés da cruz e testemunhou a ressurreição de Cristo - sem a qual o Cristianismo nem existiria.

O relado do encontro de Madalena com Jesus ressucistado contado pelo Evangelho de João é impressionante.

Após dirigir-se ao sepulcoro onde deveria estar o corpo de Cristo e não encontrar nada, Maria desespera-se. Recusando-se a crer que o Mestre não estava ali, ela volta a olhar para dentro do local, mas vê apenas dois anjos vestidos de branco, a quem diz que está à procura do seu Senhor. Naquele momento, ela se depara com Jesus ali, em pé, mas não o reconhece. Ele lhe pergunta porque chora. Pensando que fosse o jardineiro, Madalena lhe diz: "Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o pegarei." Jesus, então, a chama "Maria!" Ao dar-se conta de que era o próprio Cristo, ela exclama: "Raboni!" (que, em aramaico, significa "mestre").

Em seguida Jesus pede que ela conte aos outros que Ele estava de volta. "Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: "Eu vi o Senhor!", escreve João.

Maria é aquela que orienta, que dá o discernimento, que mostra qual o caminho para os discípulos. Ela tem conhecimentos secretos sobre Jesus, mais do que os apóstolos homens. Em sua passagem do Evangelho de Maria Madalena, o próprio Simão Pedro admite isso:  "Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferentemente das outras mulheres. Diz-nos as palavras que Ele te disse, das quais tu te lembras e das quais nós não tivemos conhecimento."

Porém, o trecho seguinte, do mesmo evangelho, revela o descrédito do apóstolo: "Pedro ajuntou: 'Será possível que o Mestre tenha conversado assim, com uma mulher, sobre segredos que nós mesmos ignoramos?(...) Será que Ele a escolheu e a preferiu a nós?'." Madalena responde: "Meu irmão Pedro, que é que tu tens na cabeça? Crês que eu sozinha, na minha imaginação, inventei essa visão, ou que a propósito de nosso Mestre eu disse mentiras?". Mas, como se sabe, foi a versão de Pedro que entrou para a História.

Numa sociedade patriarcal, os homens é que tinham credibilidade. Eles se reuniram e formaram um grupo seguidor de Jesus. Maria Madalena não tinha tanto poder para convocar e aglutinar pessoas.

Se ela tivesse assumido a liderança dos primeiros cristãos ao lado de Pedro, o Cristianismo provavelmente teria se constituído de maneira diferente. A Igreja teria um outro rosto, menos machista e menos hierárquico.

Mesmo assim, Madalena é hoje considerada um modelo para os fiéis cristãos. Maria, a apóstola, é ao mesmo tempo feminina e espiritual. Seu estatus como mulher não impediu que ela ensinasse, pregasse e proclamasse o legado de Jesus.

Maria, a prostituta, é também símbolo de esperança e poder para todos os que pecam, sabem que não são perfeitos e precisam de outra chance na vida.

Bendita Madalena!


De Eremita a Padroeira Exemplar

Conta uma lenda medieval que, depois da ressurreição de Jesus, Maria Madalena teria se retirado para um eremitério na França, onde viveu solitária e em penitência. Esse comportamento recluso inspirou uma abadia beneditina na cidade francesa de Vézelay, que, em 1050, foi colocada sob a proteção de Santa Maria Madalena - foi o primeiro registro dela como santa.

O culto recebe, em seguida, um impulso extraordinário na época das Cruzadas, de  1146 a 1190, surgindo outros santuários dedicados a Madelena, entre os quais o de Aix e de Saint-Maximin na Provença.

O culto à Santa Madalena teve seu auge na Idade Média: os monges de Vézelay chegaram a organizar uma exposição e trasladação do corpo que acreditavam ser dela. Logo surgiram pregrinações à gruta de Sainte-Baume, onde Madalena teria vivido seu período de reclusão.

Os relatos de milagres atribuídos à santa, que se manifestava na forma de uma pomba branca, começaram a se multiplicar. A identificação de Madalena com as outras mulheres da Bíblia lhe rendeu o título de padroeira dos perfumistas, estecisitas e cabeleireiros, além, é claro, das prostitutas. Ela é homenageada em 22 de Julho.

Em 1226, apareceu uma "Ordem das Madalenas" no sul da França. A instituição tentava recuperar moças arrependidas da prostituição. O exemplo espalhou-se pela Europa e ordens semelhantes surgiram na Inglaterra, na Alemanha e na Itália, mas a maioria delas não sobrevivieu até o século 19. Apenas um número proporcionalmente baixo de prostitutas aceitava entrar nessas ordens.


A Boa Nova Segundo a Fiel Discípula


Em 1945, um grupo de camponeses egípcios desenterrou, acidentalmente, um jarro. Diz a lenda, que eles ficaram com medo de abrir o vaso, porque poderia ter um demônio guardado lá dentro, assim como era possível haver um tesouro.

Nem demônio, nem ouro: dentro do jarro havia 52 textos gnósticos, muitos ainda bem conservados, como o Evangelho de Maria Madalena. Os textos foram escondidos possivelmente quando o Cristianismo já oficializado mandou queimar todos os escritos gnósticos.

Maria de Magdala, contudo, não teria sido a autora do texto que leva seu nome. Não se sabe se ela teria fundado uma nova comunidade para transmitir a Boa-Nova de Jesus. Entretanto, a mera existência do Evangelho de Maria Madalena sugere que seus ensinamentos sobreviveram nas comunidades cristãs primitivas.

A Madalena desse evangelho se parece com a dos evangelhos canônicos, com a diferença de que no apócrifo ela assume seu papel de mulher apóstola. Jesus lhe revela ensinamentos, os quais ela transmite aos apóstolos.

O texto gnóstico revela que Maria Madalena compreendia, de fato, as lições passadas pelo Mestre - por exemplo, o significado de conceitos difíceis como salvação e ascensão - e não se inqueitava diante dos mistérios da fé. O próprio Jesus a saúda por isso, durante uma aparição, já ressuscitado: "Bem-aventurada é você por não se perturbar ao me ver".

O fato de Maria ser espiritualmente forte para partilhar seus conhecimentos com os discípulos, que se encontravam em depressão, prova que ela era a única discípula pronta a ocupar a posição do Salvador como mestra depois de Sua partida.

Fim.



Referências Bibliográficas

Livros:
O Outro Pedro e a Outra Madalena Segundo os Apócrifos, de Jacir de Freitas Faria, ed. Vozes, 2004.

As Origens Apócrifas do Cristianismo, de Jacir de Freitas Faria, ed. Paulinas, 2003.

Maria Madalena - De Personagem do Evangelho a Mito de Pecadora Redimida, de Lilia Sebastiani, ed. Vozes, 1995.

Mary Magdalen - Myth and Metaphor, de Susan Haskins, ed. Riverhead Books, 1993.

Sites:

www.magdalene.org

www.maryofmagdala.com

www.fcsh.unl.pt/docentes/hbarbas/Tese.htm

Vídeos-Documentários





terça-feira, 25 de setembro de 2012

Maria Madalena - A Primeira Apóstola da Igreja - Parte 2


Toda essa carga pejorativa não foi arremessada gratuitamente sobre Madalena. Ao colar o rótulo de prostituta e pecadora em uma das principais referências cristãs até então, a Igreja nascente desestimulava a liderança feminina.

foi um caminho de deslegitimação da mulher. Qualquer mulher que se torna líder acaba ganhando uma pexa sexual preconceituosa. É uma prática machista de milênios.

A imagem de mulher sensual ganhou ainda mais força com os belos retratos da arte renascentista. Madalena é sempre reconhecível pelos longos cabelos louros e pelo vaso de óleos (ver acima). No Renascimento, é sedutoramente representada seminua, no cúmulo do êxtase amoroso do encontro com Jesus o que vem a ser proibido pelo Concílio de Trento (1545), que também a transforma em morena.



Os modos com que ela vai sendo retratada contribuem definitivamente para a criação de um estereótipo, que podemos considerar como precursor da figura laica da mulher fatal. No final da Idade Média, o consenso estava estabelecido: Maria Madalena fora, de fato, uma prostituta - mas uma prostituta arrependida. Segundo uma obra do século 9, Vita Eremitica, após a ressurreição do Senhor ela teria se retirado para um eremitério e levado vida solitária e contemplativa durante 30 anos. O arrependimento e a conversão colocaram-na entre os santos da Igreja.



Por que Madalena Incomoda?

Nos círculos religiosos, a importância de Madalena decrescia na medida em que aumentava a idealização de Maria, mãe de Jesus - sinal da separação entre o carnal e o espiritual. A pecadora arrependida representa o controle da religião sobre a sexualidade. Assim, as duas categorias "boas" de mulheres são a mãe exemplar e a celibatária, são as duas únicas opções para a mulher na Igreja. Maria vai se tornando cada vez mais uma vez santa sem forma feminina, assexuada, coberta, com a cabeça baxia, com um manto no rosto. Isso mostra que se tem uma visão de santidade da qual o sexo é excluído.

Essa dicotomia Maria Madalena-Nossa Senhora, expressa a situação daquela época, mas, ainda hoje, muitos homens carregam esse conflito entre a mulher-esposa-mãe e a mulher que expressa seu desejo sexual. De um lado, sua esposa. Do outro, as amantes.

A religião católica criou uma cisão entre espírito e sexo. Nessa concepção, as pessoas elevadas de espírito abdicam da vida sexual para servir a Deus e, Maria Madalena incomoda porque mostra a possibilidade de compatibilizar a vida sexual com a espiritual.

Vários textos apócrifos, como o Evangelho de Filipe, contam que Madalena tinha um estreito relacionamento com Jesus, chegando até a trocar beijos com Ele. Para os adeptos do Gnosticismo, movimento religioso do início da era cristã, o beijo significava transmissão de conhecimento. Apesar dos indícios sutis de que Jesus e Madalena possam ter sido mais do que mestre e aprendiz, os especialistas rejeitam a versão de que eles possam ter se casado e tido filhos.

Havia ainda outro motivo para Maria Madalena ter se tornado figura polêmica no Cristianismo primitivo: sua atuação como discípula dileta de Jesus e a disputa páreo a páreo com o apóstolo Pedro pela posição de protagonista. Ignorada por muito tempo, a concepção da Madalena apóstola ressurgiu timidamente no século 13.

Na Legenda Aurea, um texto do século 13 sobre a vida dos santos, ela é mostrada como pregadora e conversora. Os dominicanos, na baixa Idade Média, também situavam Maria Madalena como uma pregadora. Apenas na década de 1940 o resgate do lado sábio de Madalena ganhou fôlego, com a descoberta de textos gnósticos em Nag Hammadi, no Egito. Os escritos, datados provavelmente dos séculos 1 e 2, mostram uma mulher bastante diferente: amada por Jesus, era Sua seguidora fiel e, após a morte do Mestre, propagadora de Sua Boa-Nova.

Nesses dois primeiros séculos do Cristianismo, grupos comandados por mulheres ajudavam a difundir os ensinamentos de Jesus. Nas comunidades, elas desempenhavam um papel de proeminência. O próprio apóstolo Paulo, em suas cartas, faz referência à participação de muitas mulheres que fundavam e sustentavam comunidades ao longo do Mediterrâneo e desempenhavam funções de ensino e de missionarismo.

Supõe-se que Maria Madalena tenha liderado uma dessas comunidades, mas não há dados históricos que comprovem a tese. Ao longo dos anos, porém, o patriarcalismo dominante teria reprimido a liderança feminina.


Continua...

sábado, 22 de setembro de 2012

Maria Madalena - A Primeira Apóstola da Igreja - Parte 1


Novos estudos revelam que esta mulher não teve nada de prostituta arrependida. Foi, na verdade, uma discípula fervorosa de Jesus e símbolo da liderança feminina no Cristinanismo.

Ela tem inspirado vários personagens ao longo da História.

Tal e qual a famosa Geni da canção de Chico Buarque, Maria Madalena foi apedrejada, taxada de prostituta e tida como amaldiçoada - para ser bendita séculos depois. Mulher mais citada do Novo Testamento (seu nome aparece 12 vezes nos evangelhos, ocupou, durante centenas de anos, o papel de pecadora arrependida no imaginário cristão.

Agora, o trabalho de teólogos e estudiosos da Bíblia vem resgatar a identidade da verdadeira Madalena: Longe do estereótipo de prostituta, ela foi, na verdade, uma mulher independente, seguidora ardorosa de Jesus Cristo, que disputou com o apóstolo Pedro a liderança dos primeiros grupos cristãos formados após a ressurreição do Mestre.

Na Bíblia, as imagens frequentemente associadas a ela são a da pecadora que unge os pés de Jesus (Lucas 7: 36-38), a da mulher que derrama óleo perfumado sobre Sua cabeça (Mateus 26:6-7) e a da esposa que está prestes a ser apedrejada por adultério e é salva por Cristo (João 8:3-12). Porém, nenhuma delas é, de fato, Madalena. E mais: após uma leitura atenta das Escrituras, é possível constatar que ela aparece nos momentos mais nobres da vida de Jesus: aos pés da cruz e como testemunha primeira da ressurreição. A única passagem mais desabonadora - a expulsão de 7 demonônios - está no Evangelho de Marcos (Mc 16:9).

A Bíblia não traz a Madalena sensual e pecadora difundida pela tradição católica, mas a leitura de entrelinhas dos textos canônicos acabou distorcendo sua imagem. Um dos pontos de partida para essa difamação foi a falta de informações sobre sua família. Maria em contraposição a outras mulheres bíblicas, não é identificada por suas relações - não é filha, esposa nem mãe de nenhuma figura masculina.

Ela é identificada pela sua cidade natal, Magdala. Magdala (de onde vem o nome Madalena) era um vilarejo de pescadores na Galiléia. Essa identificação do nome de Maria com uma cidade, e não com um homem, provavelmente significa que ela era independente e próspera, uma condição privilegiada para as mulheres daquela época.

A falta de associação com nomes masculinos manchou a reputação de Maria Madalena. A cultura judaica do século 1 insere-se nas culturas mediterrâneas baseadas na honra e na vergonha, em que as mulheres estão sempre sob tutela. Enquanto solteiras, sob a tutela dos pais. Quando órfãs, sob a tutela dos irmãos; casas, sob a tutela dos maridos. Por viver sozinha, estava implícito que era uma mulher que não seguia os preceitos.

Outra interpretação baseada no texto bíblico que contribuiu para a depreciação de Madalena foi o significado atribuído aos sete demônios que Cristo expulsou de seu corpo. Na época de Jesus, o verbo grego "diábolos", que significava "arremessar para longe", não tinha o mesmo significado que a palavra tem hoje.

Quando fala em 7 demônios, o evangelista quer dizer que Maria Madalena tinha problemas sociais. Mas não foi essa a idéia que acabou predominando entre os cristãos - a associação dos sete demônios aos sete pecados capitais foi imediata. Sendo a luxúria um deles, não foi preciso muito tempo para atrelar Madalena ao meretrício.


De Devota a Devassa

As maiores investidas na desconstrução de sua imagem ocorreram, contudo, sem fundamento nos textos bíblicos. A tradição católica a partir do século 3 misturou várias mulhres que aparecem no Novo Testamento, nomeando a todas Maria Madalena. Essa confusão fica clara na época do papa Gregório Magno, no final do século 6.

Gregório estava convencido de que Maria Madalena, Maria de Betânia, a mulher anônima que ungiu os pés de Jesus e a pecadora pública eram todas a mesma mulher. Curiosamente, a igreja oriental, a bizantina, nunca juntou essas histórias em uma só.

Mesmo pouco veraz, essa fusão foi decisiva par acentuar a trajetória descendente da popularidade de Madalena. A melhor maneira de desacreditar uma mulher é mexer com sua sexualidade. Ocorreu um processo de esvaziamento da imagem de Maria Madalena e ela foi se tornando cada vez mais uma prostituta arrependida.

A Face Mística da Sábia Maria Madalena

O jeito feminino e sábio de Maria Madalena fez dela modelo para os seguidores do Gnosticismo, um movimento religioso ocorroido entre os séculos 1 e 3. Maria Madalena foi modelo para os gnósticos porque para eles, ela venceu os caminhos e as etapas para a purificação. 

O Gnosticismo misturava conceitos cristãos, judaicos e pagãos e pretendia ser uma alternativa ao Cristianismo oficial que nascia.

O principal fundamento desse grupo era a gnose, ou seja, o conhecimento teórico de si e de Deus. Para os gnósticos, acima de quaisquer conceitos estava a imagem divina que habitaria dentro de cada um. "Porque é em vosso interior que está o Filho do Homem". ensina o Evangelho de Maria Madalena. Essa religiosidade individualizada era uma clara tentativa de resistência à institucionalização da fé cristã. Mas o cíclio de Constantinopla, realizado em 381, taxou o Gnosticismo como movimento herético.

Porém, não se pode afirmar que Maria Madalena tenha sido gnóstica - ela era judia convertida ao Cristianismo e acabou sendo usada como padrão para os gnósticos, que tinham maior abertura para a participação das mulheres como mestres, profetisas e sacerdotisas. No Evangelho de Maria Madalena aparecem outras facetas do Gnosticismo: a desvalorização da matéria ("O apego à matéria gera uma paixão contra a natureza") e os polêmicos beijos ("Então, Maria se levantou. Ela os beijou a todos."). O beijo na boca, na tradição gnóstica, também aparece em Pistis Sophia (texto do século 3). Os anjos se comunicavam com beijos. O beijo é fundamental para a transmissão de conhecimento dentro do cerne gnóstico. Não há necessariamente uma conotação sexual nisso. Este ato também era preconizado entre os cristãos, pelo ósculo santo, aconselhado pelo Apóstolo Paulo em suas epístolas aos Coríntios.

No Evangelho, há ainda passagens místicas que não aparecem nos textos canônicos, como o trecho em que Madalena enumera as sete manifestações da alma: a treva, a cobiça, a ignorância, a inveja mortal, a dominação carnal, a sabedoria bêbada e a sabedoria astuciosa. "Tais são as sete manifestações da cólera que oprimem a alma de perguntas", diz ela.

A alma de Maria Madalena compreendeu Jesus como a única Sabedoria que morava dentro dela, propiciando-lhe a verdadeira harmonia. Para ela, a falsa sabedoria não tinha vez nem voz.



Continua...

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A Grande Mãe do Candomblé - Parte 2



Sacerdotisa Popular

Sob comando de Mãe Menininha, o Gantois logo se tornou um dos terreiros mais procurados e respeitados da Bahia.

Filha de Oxum, divindade relacionda às águas doces e ao amor, a líder religiosa tinha várias características dessa orixá. Muitos que a conheceram a descrevem como uma mulher amorosa, generosa e sempre disposta a aconselhar quem a procurava. Ela sempre tinha uma palavra, uma mensgem confortadora.

Com, o passar do tempo, Mãe Menininha foi formando cada vez mais filhos-de-santo e sua popularidade não parou de crescer. Nos anos 80, assiste-se a sua veneração. A imagem de Menininha do Gantois já adquire ares de mitificação.

Ser abençoado por Mãe Menininha era um desejo de todo mundo que visitava a Bahia. Para receber a bênção da sacerdotisa, turistas de todas as partes do País lotavam ônibus e se amontavam na entrada do terreiro. Políticos, artistas, intelectuais e acadêmicos a procuravam constantemente em busca de conselhos, orientações ou informações para suas pesquisas. A ialorixá também recebia muita gente humilde, pobres da periferia ou do campo, que muitas vezes queriam um lugar onde comer e passar a noite.

Mulheres que tinham se afastado do marido, por morte ou separação, vinham com todos os filhos. Pessoas que perdiam o ônibus ou trem e que não tinham onde passar a noite, ficavam hospedados no terreiro.

Na cozinha da casa de Menininha, o velho fogão a lenha nunca estava apagado. Ali, a mãe-de-santo sempre tinha água quente para preparar um novo café e uma refeição para oferecer aos visitantes. Na mesa, não podeiam faltar cuscuz e bolo de farinha de arroz, receitas que fez questão de ensinar às filhas, netas e ajudantes. As gentilezas e atenções eram iguais para todos, fosse o visitante um gari ou um chefe de Estado.

Ecumênica por Natureza

Mãe Menininha faleceu em 13 de Agosto de 1986. No mais de 60 anos em que liderou o terreiro do Gantois, como uma grande diplomata de sua religião, sempre tratou de explicar o Candomblé àqueles que se interessavam em aprender ou estudar o assunto. Além do ótimo relacionamento com governantes de Estado, artistas e intelectuais, a ialorixá também conquistou o respeito de líderes de outros terreiros e sacertodes católicos, especialmente os mais ecumênicos e tolerantes.

Durante vários anos, ainda que eventualmente, frequentava missas católicas. É preciso lembrar que as religiões africanas não são dogmáticas, ou seja, não exigem adesão exclusiva. Então, pode-se fazer seu culto e aceitar outras práticas eventualmente.

Ecumênica por natureza, Mãe Menininha declarou uma vez: "Deus? O mesmo Deus da Igreja é o do Candomblé. A África conhece o nosso Deus tanto quanto nós, com o nome de Olorum. A morada Dele é lá em cima e a nossa, cá embaixo". A frase está hoje exposta no Memorial Mãe Menininha do Gantois, em Salvador.

No pequeno museu, que reúne objetos pessoais da ialorixá e funciona no próprio terreiro, estão, entre outros objetos pessoais, a mesinha onde jogava os búzios, o rádio que gostava de ouvir e os óculos de armação grossa, sua marca registrada.

Para muitos pesquisadores, a popularidade e o reconhecimento que Mãe Menininha alcançou contribuíram para tornar o Candomblé uma religião mais aceita do País. O curioso é que tal popyularidade não impressionva a mãe-de-santo. Seus parentes contam que ela se recusava a divulgar ou registrar os nomes dos artisats, políticos e outras pessoas famosas que frequentavam o terreiro. Não gostava de ser fotografada e fazia questão de dizer que as pessoas não iam ao Gantois por sua causa, mas para ver a casa do Candomblé e os orixás.

Sua aversão à fama não impediu que recebesse diversas homenagens, especialmente de artistas e amigos ilustres. Entre elas, a mais conhecida é a música Oração a Mãe Menininha, que Dorival Caymmi compôs em 1972. Apesar de ser ogã (espécie de protetor influente do Candomblé) de outro terreiro, o compositor visitava frequentemente Mãe Menininha, a quem pedia conselhos e tratava como a uma mãe.

Quem conheceu Mãe Menininha conta que ela tinha um jeito todo especialde ser, viver e cuidar das pessoas. Um jeito carinhoso de mãe, sempre atenciosa e pronta a ajudar seus filhos, que os versos da canção trataram de imortalizar:

A beleza do mundo, hein?
Tá no Gantois...
E a mãe da doçura, hein?
Tá no Gantois...
O consolo da gente, ai...!
Tá no Gantois...
Ai, minha mãe, minha Mãe Menininha...


Referências Bibliográficas

Livros
Cidade das Mulheres, de Ruth Landes, ed. UFRJ, 1947.

Caminhos da Alma, de Vagner Gonçalves da Silva (org.), ed. Summus, 2002.

Onde
Memorial Mãe Menininha do Gantois
Rua Mãe Menininha do Gantois, 23, Bairro da Federação, Salvador, BA. (71) 331-9231


Fim.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A Grande Mãe do Candomblé - Parte 1


A mãe-de-santo Menininha do Gantois lutou contra preconceitos e contribuiu para a aceitação da religão que herdou de seus ancestrais. Hoje é lembrada como um grande líder espiritual.

Brincando de Candomblé. Era assim que Escolástica Maria da Conceição Nazaré, menina pobre da perfieria de Salvador, Bahia, ocupava suas horas livres na infância. Habilidosa e criativa, ela tinha um jeito todo especial de improvisar a diversão: reunia folhas de babaneira, espinhos de mandacaru, sementes e frutas e com elas ia dando forma a pequenos bonecos.

Depois de prontos, cada um recebia o nome de uma divindade do Candomblé. Havia Oxóssi, Ogum, Oxum e uma porção de outros orixás para a garota brincar.

O Candomblé também estava presente nos sonhos de Menininha, apelido que Escolástica recebeu da avó. Num deles, uma garotinha de pele clara e cabelo loiro perguntava: "Vamos brincar?". "Brincar de quê?", dizia ela. "De jogar búzios, Menininha!", era a resposta. E lá iam as duas brincar com os búzios na areia. Foram necessários muitos anos até que Menininha compreendesse o sentido daquele sonho.

"Só depois de adulta ela percebeu que aquilo era um sinal. Eram, acho, os orixás lhe mandando mensagens", diz a mãe-de-santo Carmem Oliveira da Silva, sua filha caçula. De fato, os sonhos e as brincadeiras de infância pareciam anunciar o destino de Menininha.

Nascida em 10 de fevereiro de 1894, em Salvador, ela pertencia a uma família devotada ao Candomblé. Sua bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazaré, havia fundado, em meados do século 19 o Ilê Iya Omin Axé Iyamassê, mais conhecido como terreiro do Gantois (nome do antigo proprietário do terreno, que era francês). Sob a orientação da avó, das tias e da mãe, Menininha foi iniciada nos segredos da religião africana.

E sem que soubesse, passou a ser preparada para o cargo, que assumiria anos depois, de ialorixá (mãe-de-santo, na língua iorubá). A mãe-de-santo é a chefe da comunidade religiosa. A ela cabe o poder religioso e de todos os ritos do terreiro.

Alheia aos planos para seu futuro, Menininha completou o curso primário e logo tratou de aprender um ofício. Escolheu ser costureira e não demorou a arrumar emprego num ateliê de Salvador. Entre várias atividades que desempenhava, cabia a ela a difícil tarefa de confeccionar espartilhos. Aos 29 anos, casou com o advogado Álvaro Mcdowell de Oliveira, descendente de ingleses. Com ele teve duas filhas, Cleusa e Carmem.

Mas a vida da dona de casa, devotada ao marido e às filhas, logo passaria por uma grande transformação. com a morte de mãe Pulchéria, tia-avó de Menininha e segunda ialorixá a governar o terreiro do Gantois, a casa ficou sem uma líder. Os orixás, no entanto, se manifestaram e escolheram a próxima sacerdotisa: Menininha. Era uma grande responsabilidade. Afinal, no papel de mãe-de-santo, ela teria de administrar um dos terreiros mais antigos de Salvador, formar filhos-de-santo e ser a líder espiritual de centenas de pessoas ligadas à casa de Candomblé.

Em 1924, prestes a completar 30 anos, Menininha tomou a decisão que mudou sua vida, assumindo a lidrança do terreiro funddo por sua família. Mudou-se para o Gantois junto com o marido e a primeira das duas filhas. E deste então, passou a ser conhecida como Mãe Menininha do Gantois, a ialorixá mais famosa e respeitada do País.



Tempos Difíceis

Na época em que a Mãe Menininha se tornou ialorixá, os tempos não eram fáceis para os adeptos do Candomblé. além do preconceito, os filhos e mães-de-santo sofriam muitas perseguições e violência. Não havia liberdade de culto. As casas eram perseguidas e invadidas pela polícia.

Na décda de 30, a Lei de Jogos e Costumes esboçou um certa tolerância ao culto aos orixás. As festas só poderiam ser realizadas em determinados horários e mediante uma autorização por escrito. Isso, no entanto, não impedia que os policiais invadissem os terreiros, espalhando violência e terror. Eles estravam a cavalo e munidos de sabres. Furavam os atabaques e quebravam tudo o que encontravam pelo caminho.

Os anos de opressão só terminaram em 1976, quando o então governador da Bahia, Roberto Santos, sancionou um decreto liberando as casas de Candomblé da obtenção de licença e do pagamento de taxas à delegacia de Jogos e Costumes. Até esse período, porém, não há rgistros de que o Gantois tenha sido alvo das batidas policiais,  tampouco de violências e agressões.

Mãe Menininha teve grande capacidade de atrair para o terreiro a simpatia de muitas pessoas importantes da Bahia, que protegeram o terreiro de certas investidas da polícia e de outros perseguidores.

A ialorixá, porém enfrentou outra forma de preconceito. quando assiumiu a liderança do terreiro, aos 29 anos, sua juventude não foi vista com bons olhos pelos adptos mais antigos do Candomblé. "Os velhos africanos sempre diziam que uma sacerdotiza deve ser tão velha que não possa lembrar-se das paixões da juventude", afirmou Mãe Menininha, em depoimento à antrópologa Ruth Landes no livro Cidade das Mulheres. "Bom, as coisas estão mudando, degenerando, não há mulheres idosas aptas para o nosso trabalho."

Apesar da pouca idade, Mãe Meninha mostrou-se apta para a função de sacerdotisa. Conseguiu impor-se com sabedoria, graças à força de sua personalidade. Ela era uma mulher carismática, eloquente e com uma personalidade fortíssima. Com esses requisitos, a mãe-de-santo não demorou a impressioar adeptos e não adeptos do Candomblé, atraindo cada vez mais pessoas ao terreiro do Gantois, claro que par aalguém ter esse poder de atração, precisa ser muito inteligente, uma intelectual de primeira.


Continua...

sábado, 15 de setembro de 2012

Tibet Silenciado - Parte 2


A maior característica tibetana, porém, era a religiosidade. O budismo foi introduzido no país no século7, quando o rei Songtsen Gampo se casou com duas mulheres budistas - uma da China e outra do Nepal. Ao longo de centenas de anos, consolidou-se o Budismo da corrente indiana Mahayana, originada no século 2, que enfatiza a compaixão, a meditação e a intelectualização das comunidades monásticas.

Os estadistas e líderes espirituais do país - os lamas - são considerados encarnações de divindades. Tenzin Gyatso, o atual Dalai Lama, seria uma encarnação de Avalokitesvara, o Buda da compaixão.

Dos nômades das montanhas à maior autoridade do país, passando pelo agricultor e o funcionário do governo, o Budismo estava presente no cotidiano de cada tibetano, nas estátuas e nos pequenos altares que todos possuíam. A vida monástica era a forma pela qual a civilização tibetana se delineava. Os monastérios, os gompas, eram os lugares onde se aprendiam arte, literatura e medicina.

Calcula-se que, na época da invasão 10% da população total do Tibete fosse de monges e monjas. Eles detinham além do poder religioso, o poder político. O chefe de Estado era o Dalai Lama, seguindo pelo Panchen Lama e pelo Karmapa Lama, e abaixo deles estavam um gabinete e um conselho formados por clérigos e por nobres leigos.


O Massacre

Naquele dia de outubro quando a china entrou no Tibete, o Exército de Libertação do Povo tinha 40 mil chineses, e era quase cinco vezes maior do que o tibetano, composto por 8.500 homens. Além do número pequeno de combatentes, a população tibetana seguia a crença budista da não-violência, ou seja, da convivência pacífica. Robert Thurman, em seu livro Revolução Interior, explica que os tibetanos valorizavam o desenvolvimento espiritual dos indivíduos acima da conquista de territórios ou poder e, por isso, para eles suas vidas tornavam-se as posses mais preciosas.

A não-violência seria um resultado disso e, por conta desse princípio, os tibetanos não possuíam um exército numeroso ou preparado. Mesmo assim, os militares do Tibete enfrentaram os chineses.

Eles tiveram a força para lutar apesar da religão. O Budismo diz que você pode se defender mas não atacar. A população não ouviu os líderes budistas que disseram "não lutem". Quando os chineses invadiram o Tibete, os tibetanos sentiram muita raiva. Eles queriam lutar para proteger suas famílias e país, porque tinham um exército pequeno e ninguém lhes havia oferecido ajuda. Em poucos dias, o pequeno contingente tibetano havia sido aniquilado.

Com o avanço do exército chinês e sem nenhum auxílio internacional (a Inglaterra, os Estados Unidos e a Índia havia negado ajuda), o Tibete se via encurralado. Em novembro de 1950 o 14º Dalai Lama, que tinha 16 anos de idade e era tutelado por um regente, assumiu os poderes espirituais e temporais do Tibete como chefe de Estado. Mas a situação se agravava e, em maio de 1951, uma delegação do governo tibetano foi coagida a assinar o "Acordo dos 17 Pontos", que dava à China soberania sobre o Tibete. Segundo o documento, os chineses aceitariam os costumes tibetanos e ajudariam no desenvolvimento econômico e educacional do país.

O Dalai Lama refugiara-se em Yatung, na fronteira indiana, porque temia ser assassinado se houvesse uma invasão chinesa à capital. "Como um homem jovem e fisicamenete capacitado, meu instinto era compartilhar todos os riscos que muita gente estava correndo", conta ele em sua autobiografia, "mas para os tibetanos a pessoa do Dalai Lama é uma preciosidade suprema e, sempre que surgia o conflito, eu tinha que permitir que meu povo cuidasse de mim mais do que mesmo jamais pensasse em fazer".

Mas a China não cuimpriu seu lado do acordo e, além disso, exigiu que o Dalai Lama voltasse a Lhasa, alegando que o general chinês designado representante da China no Tibete não havia sido bem recebido. Em setembro de 1951, 3 mil soldados chineses entraram na capital. em 1954, eram 222 mil membros do exército chinês no Tibete. O Dalai Lama foi convidado a ir a Pequim, onde passou cerca de um ano e pôde conhecer Mao Tsé-tung. O presidente chinês propôs, então, a criação do Comitê Preparatório para a Região Autônoma do Tibete, que seria presidido pelo Dalai Lama e teria como vices o Panchen Lama e o funcionário chinês.

Quando o Dalai Lama voltou ao Tibete, no entanto, o Comitê se revelou mais um instrumento do controle chinês do que uma tentativa de estabelecer um governo conjunto. A repressão chinesa crescia e, no leste, esboçou-se uma guerrilha de resistência, que não obteve sucesso significativo. Pessoas das províncias de Kham e Amdo, na parte oriental do país, fugiram de suas terras e rumaram a Lhasa, onde montaram acampamento. Na capital, milhares de tibetanos protestavam contra a invasão chinesa.

Dez mil pessoas reuniram-se em volta do Norbulingka, o palácio de verão do Dalai Lama, para proteger Sua Santidade.

Em 17 de março de 1959, granadas foram atiradas contra o palácio. Naquela mesma noite, vestindo um surrado uniforme de soldado e carregando uma arma, o Dalai Lama deixou Lhasa. Pouco depois, o palácio foi bombardeado. Os tibetanos acampados na capital foram massacrados - nesse período, estima-se que mais de 86 mil tibetanos tenham sido mortos na região central de seu país.

Dezenas de milhares deixaram o Tibete logo após o Dalai Lama. Muitos morreram no caminho, ao cruzar o Himalaia, e aqueles que conseguiram chegar à Índia estavam feridos, doentes e famintos.

Um mês depois de deixar seu palácio, o Dalai Lama chegou à Índia. Tinha 24 anos. Hoje, aos 69, ainda não retornou ao seu país. ele e Thubten Khetsun, o tibetano que se refugiou nos Estados Unidos, ainda aguardam a hora em que verão novamente o Potala e o Norbulingka, emoldurados pelas montanhas do Himalaia.

Fim.



Referências Bibliográficas

Livros

Sete anos no tiber, de Heinrich Harrer, ed. L&PM, 1999.

Pelos Caminhos do Tibete - Revelações na terra do Dalai Lama, de Airton Ortiz, ed. Record, 2001.

Minha Terra e Meu Povo - A Autobiografia de Sua Santidade, o Dalai Lama, ed. Sextante, 2001.

Filmes
Kundun, de Martin Scorcese, EUA, 1997.

Sete Anos no Tibete, de Jean-Jacques Annaud, EUA, 1997.

Site
www.tibet.com, Governo do Tibete no Exílio



sábado, 8 de setembro de 2012

Tibet Silenciado - Parte 1


Em 1950, o país foi invadido pela China comunista. A tentativa de desmontar o suposto sistema feudal tibetano calou também a rica expressão religiosa e cultural da região.

Encravado no topo da Cordilheira do Himalaia, a uma altitude média de 4 mil metros, o Tibete acordava para mais um dia. Ao longo dos 2,5 milhões de quilômetros quadrados que consitutuíam o país, cada tibetano tomava seu chá com manteiga, a bebida típica do local, e preparava-se para as atividades cotidianas. Era o que fazima Thubten Khetsun, na época um menino de 8 anos, e seus pais, funcionários do governo tibetano. A família morava em Lhasa, a capital, nas proximidades do Potala, o imenso palácio de inverno de Sua Santidade, o Dalai Lama.

Era 07 de outrubro de 1950. Enquanto o povo seguia sua rotina, na parte oriental do país uma massa de militares chineses com uniformes cinzentos avançava até Chamdo, capital da província de Kham e se do Comando do Lestee do exército tibetano. A força do império comunista de Mao Tsé-Tung iniciava, assim, sua marcha sobre as terras tibetanas, num movimento que mudaria para sempre a vida de todos os habitantes daquele país.

Thubten Khetsun tem hoje 62 anos. Não vê há muito tempo o Potala ou as montanhas brancas do Himalaia. Ele mora em Vienna, estado da Virgínia, nos Estados Unidos e, assim como outros 120 mil tibetanos, é um refugiado. NOs anos que se seguiram à invasão de 1950, Thubten e seu povo viram as maiores riquezas do país serem destruídas e parte da população ser massacrada.

Diversas razões levaram os chineses à invasão. Os motivos históricos e geopolíticos remontam ao século 13, quando o Tibete se tornou um protetorado chinês. Muito mais tarde, já no incío do século 20, o território passou a ser cobiçado pela Inglaterra e pela Rússia dos czares, o que enfraqueceu o controle dos chineses sobre os tibetanos.

Em 1949, no entanto, nascia a República Popular da China, liderada por Mao Tsé-Tung e, com ela, a necessidade de expandir a esfera de influência da potência comunista. em outras palavras, a conquista de territórios era bem-vinda.

Havia também justificativas ideológicas. De acordo com a ótica chinesa, na época da invasão o Tibete estava sob um opressor sistema feudal, em que os camponieses viviam na miséria e deviam suserania aos senhores. O regime chinês comunista apropriou a classificação marxista-leninista de sistemas de produção para deslegitimar a situação em vigor no Tibete da época e como pretexto para intervir.

OP tibete tinha um sistema social único, que não ´poderia ser descrito como feudal, segundo especialista em história religiosa e sob análise do ex-monge budista Robert Thurman professor do Departamento de Religião da Columbia University, nos Estados Unidos.

Os tibetanos viviam pacificamente e guardavam seus recursos para o próprio povo, de modo que nunca eram pobres demais. E, ao contrário do que os chineses diziam, não eram resignados ou passivos. A terra pertencia ao Estado, mas poderia ser arrendada, hipotecada ou ter seus direitos de exploração vendidos à outra pessoa pelos camponeses.

O governo, que era liderado por religiosos e tinha também membros laicos, concedia terras a famílias aristrocáticas e, nessas, sim, existiam servos.



Um Tibete tão diferente...


O governo do Tibete é liderado no exílio pelo Dalai Lama em Dharamsala, na Índia. Começou a ser formado logo após a fuga do líder religioso, com o objetivo de assentar os refugiados que o seguiram. Atualmente, há assentamentos na Índia, no Nepal e no Butão.

Eles vivem da agricultura ou da produção industrial de chá, artesanato e fibra de vidro, entre outros produtos.

Depois da invasão, a ausência de religião do comunismo tentou apagar a religiosidade latente dos tibetanos. "Durante a Revolução Cultural da China, em 1966, inúmeros rrecursos culturais, como monumentos e manuscritos, foram destruídos e manuscritos, foram destruídos sob instigação chinesa na campanha contra o feudalismo e a supertição.

Cerca de 6 mil monastérios e templos foram pilhados ou destruídos. Como lembra o refugiado Thubten Khetsun, havia muita fome nos campos, já que a agricultura e pecuária de subsistência tibetana passaram a prover também muitos chineses que, encorajados pelo governo de Mao, migraram para o Tibete.

"Muitos tibetanos foram mortos nas cidades ou eram aprisionados sem motivos, torturados e deixados sem comida", conta Thubten. Calcula-se que até 1 milhão de tibetanos tenham morrido como consequência da invasão.

Por outro lado, houve modernização no Tibete, sobretudo nas cidades, com construção de prédios, rodovias e sistemas de comunicação e uma industrialização inicial. Nos campos, foi feita uma reforma agrária e a população nômade foi assentada.

Mas os tibetanos tornaram-se cidadãos de segunda classe no próprio país. Eles são obrigados a falar chinês, a língua oficial, e a prática de culto é dificultada. Um povo oprimido perde a liberdade e a identidade. Hoje, a esperança de liberdade do Tibete apóia-se na lidrança de Sua Santidade.

Desde os anos 90, está ocorrendo um cauteloso diálogo entre o Dalai Lama exilado e o governo chinês. Mas as chances de sucesso são reduzidas, e nem o Dalai Lama reivindica mais a independência completa, satisfazendo-se em buscar uma ampla autonomia.


Continua...


Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

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