sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Qual a Origem da Oração do Pai Nosso?

(Oração do Pai-Nosso em português na igreja do Pai Nosso em Jerusalém.)

Muitos cristãos acreditam que a famosa oração do Pai-Nosso foi uma criação de Jesus, mas não foi...

Não se sabe, exatamente, quando essa oração surgiu, sabe-se apenas que ela fazia parte de uma tradição oral trazida, provavelmente, de terras fenícias por conta da peregrinação dos hebreus.

Para entendermos o surgimento dessa oração é necessário estudarmos alguns personagens periféricos dessa história: A língua, o aramaico; o local onde surgiu, o Monte das Oliveiras; e a função da oração deixada por Jesus.

Fazendo um estudo arqueológico e linguístico do aramaico, que foi um idioma semita surgido na região setentrional da Síria por volta de 2050 a.C., e cultivada entre os descendentes hebreus que migravam de um ponto ao outro no noroeste da Síria; a oração do Monte das Oliveiras, como é conhecida entre os judeus ou a oração do Pai-Nosso, foi criada a partir do século 360 a.C.


(O período em que foi registrada a oração do Pai-Nosso no monte das Oliveiras foi no governo de Otaviano Augusto de 50 até 14 a.C. Acima, documentário Invasões Romanas, de 2013. )

Como o Judaísmo é uma cultura religiosa, que tenta reconectar o homem com o divino em todas as suas perspectivas sociais, ela cultivou em centenas de anos de existência canções, ladainhas e poesias como parte da expressão artística de seu povo. 

Assim, surgia a oração do Pai-Nosso envolta em lendas e mitos, que em sua poesia, retratava o sofrimento e a luta de um povo vencendo suas agruras sociais e espirituais. 

Quando Jerusalém é escolhida pelo Rei Davi como a capital do Reino, tudo convergiu para esta região. A antiga cidade de Salém, como Jerusalém era conhecida antes de ser conquistada pelo jovem rei, já era um local de adoração e reconhecimento espirituais na pessoa do Rei Melquisedeque, tanto por filisteus como pelos hebreus. 

Toda a cultura judaica de poesias, canções e ladainhas migram para Jerusalém... 

Ali, canções, salmos e cânticos espirituais floresceram...

(O Monte das Oliveiras atualmente, registrado pelo youtuber Doune Silva em 2010. Local preferido por turistas e cristãos que visitam o lugar, não apenas por sua beleza e perfume, mas por conta da profecia bíblica que ensina que o local será dividido em dois na chegada de Jesus em seu segundo advento. Acima, um dos bosques dos Montes das Oliveiras, o jardim do Getsêmani.)

O Monte das Oliveiras é outro personagem importante na composição da famosa oração.

É o conjunto de 3 ou 4 montículos que separa o Vale de Cedrom da cidade urbana de Jerusalém; obviamente, o local não tinha este nome na época de Jesus, o qual foi-lhe atribuído centenas de anos depois, por conta da tradução para o latim da Bíblia, a Vulgata, e ficou sendo conhecido como Olivete e/ou Monte das Oliveiras. 

Seu nome original era Jebel El-Tor

Flávio Josefo lhe atribui outro nome em sua História dos Hebreus de Monte Scopus, uma referência dos soldados romanos, ou uma forma de identificar o local para os leitores romanos, que eram o alvo de sua obra.


(Essa foto mostra, claramente, os montículos que formam o complexo conhecido como Monte das Oliveiras. Ali, também reside o jardim do Getsêmani, dentre outros jardins e bosques batizados com nomes próprios pelos judeus, conforme sua historicidade local.)

O Monte das Oliveiras é um conjunto de pequenos regatos, bosques e jardins dispostos que, durante o ano inteiro, produz azeitonas, figos e algumas uvas, que são distribuídos gratuitamente aos moradores desde tempos remotos. É como se fosse uma plantação comunitária, mas surgida naturalmente. O local tem sido preferido por adoradores judeus, pois ali habita um silêncio e perfume que elevam a alma cansada e reconecta o indivíduo a seu Deus. 

Por conta do Monte das Oliveiras ser o conjunto de 3 ou 4 elevações rodeados de bosques e jardins, cada um tinha um nome próprio, inclusive, um dos jardins que ficava no contraforte ao sul era chamado pelos judeus de Monte do Mau Conselho

Houve até um período em que o Monte das Oliveiras chamou-se de Monte Galiléia, por motivos óbvios...

Mas, por que esse monte é importante na história da Oração do Pai-Nosso?

Porque nessa cadeia de montículos havia uma enorme incidência de árvores frutíferas como figueiras, oliveiras e parreiras, personagens constantes da vida cotidiana de qualquer judeu ordinário, e Jesus sabia, como ninguém, usar a rotina cotidiana judaica para ensinar suas novas doutrinas teológicas.

(Plantar e colher numa região árida com volume pluviométrico de  70 cm ao norte e 5 cm ao sul é impossível... Mas, Israel, por conta de pesquisa e muita vontade, possui uma agricultura das mais desenvolvidas do mundo. Desde a década de 1970 com a implantação dos kibutz (comunidades agrícolas) o país hoje produz flores, frutos e grãos diversos. Israel conta com uma tecnologia única e própria para vencer a seca de quase qualquer região árida do planeta, e ajuda a Nasa, atualmente, no projeto TerraNova para habitações auto-sustentáveis na Lua e em Marte. Acima, plantações de limões na Galileia.)

Havia, por conta da lei mosaica, quatro formas dos judeus cuidarem de seu meio ambiente:

1 - Não eliminar as árvores frutíferas de uma região após sua conquista. - Levíticos 19:23-25

2 - Permitir que houvesse sempre uma sobra na plantação, do lagar e das árvores para os animais e pessoas pobres, após o tempo da colheita. - Levíticos 19: 9-10

3 - No ano sabático, era proibido o corte, poda ou a retirada de flores e sementes dos campos. - Levíticos 25:1-7

4 - De 50 em 50 anos a terra teria um ano de descanso, onde a poda, colheita e retirada de madeira e grãos seria evitada. Os animais do campo não poderiam ser caçados, nem seus filhotes abatidos. - Levíticos 25:11-13

Foi essa a forma inteligente de uma teologia, conscientemente, apoiar e ajudar no controle do ecossistema; e o judaísmo, dentre outros ensinamentos, traz esses preceitos muito interessantes em seu cerne...

Como o Monte das Oliveiras era um local livre, onde os olivais podiam ser colhidos por qualquer morador, independentemente, de sua hierarquia; era, portanto, um bosque que pertencia ao cuidado público, pois oferecia figos, azeitonas e uvas, frutas que faziam parte, minimamente, da dieta judaica. Sem mencionar que o óleo de azeite era importantíssimo naquele tempo...

(Uma vez ao ano os Montes das Oliveiras eram invadidos por moradores que levavam suas tendas para comemorar a Festa dos Tabernáculos, uma festividade mosaica em memória do povo que peregrinou no deserto por 40 anos e para agradecer a primeira colheita feita na Terra de Canaã. Acima, publicidade do canal Israelense lembrando a festa aos judeus, de 2015.)

Assim, podemos imaginar mulheres, crianças e pais de família, indo, geração após geração, colher suas azeitonas e figos, cantando e recitando salmos e hinos de louvor. Orando a Jeová, agradecendo por ainda existir um lugar onde a bondade divina pudesse ser visitada e vista, mesmo diante de tantas lutas e guerras que sempre assolaram aquelas terras.

Então assim, popularizou-se no aramaico, língua esta que acabou se tornando erudita e que distinguia o judeu comum greco-romanizado, do judeu autêntico e cumpridor da lei e dos costumes, a oração do Pai-Nosso. Como o aramaico era uma língua erudita e usada por doutores da Lei, ela foi, obviamente, a forma para registrar os escritos, poesias, canções e ladainhas que a cultura judaica produziu.


(Assim, todas as escrituras do Antigo Testamento foram traduzidas para o aramaico. Onquelos, discípulo de Gamaliel, traduziu o Targum, que é o conjunto de citações, paráfrases e comentários dos sábios rabinos judeus. Foi a primeira obra desse gênero que passou do hebraico para o aramaico.) 

Então, no século 6 a.C., autoridades romanas, numa forma de estabelecer a paz local, permitiram que fosse posta uma lápide onde estava escrita a oração mais comum proferida por um judeu ordinário. 

(Da pedra erigida pelos romanos entre os séculos 10 e 6 a.C., só sobrou poucos pedaços...)


(...sabendo da lenda da lápide em mármore, a mãe do imperador Constantino, Helena, pede que seja criada outra em seu lugar, e ali, é erigida a Igreja do Pai Nosso, obviamente, num lugar hipotético, já que poucos monumentos históricos de Israel, principalmente da Era Cristã, se referem ao local exato onde tudo aconteceu, pois a Jerusalém original está a centenas de metros da Jerusalém atual. Acima, a oração do Pai-Nosso em vários idiomas desde o período medieval, que ladeiam os muros da igreja.)

(A Igreja foi reformada e recriada por centenas de anos, e adicionou-se nichos onde acredita-se terem sido os locais de oração de Jesus.)

(Acima, a visita de nossa amiga e professora da UESB Nádia, com seu filho Edson Sardinha, na Igreja do Pai Nosso em Jerusalém em 2013.)

Como o Monte das Oliveiras era o local onde acorriam pobres, ricos, plebeus e eruditos, por sua beleza e tranquilidade sobrenaturais, Jesus também utilizou o mesmo lugar como um centro de vários encontros onde palestrou sobre muitos assuntos para seus discípulos, seguidores, interessados e curiosos. 

Um dia, um de seus discípulos lhe perguntou como deveriam orar, como deveria ser o momento de conversa com Deus, já que Jesus falava tanto da necessidade do homem manter-se conectado com seu Pai.


(Oração do Pai-Nosso feita por Jesus. Apesar que na Bíblia não é citado o local onde Jesus ensina essa oração, a tradição popular a localiza no Monte das Oliveiras. Acima, cenas do filme Jesus de Nazaré de Franco Zefirelli, de 1977.)

Então ele ensina:

"De uma feita estava Jesus orando em certo lugar; quando terminou, um dos seus discípulos lhe pediu: Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos

"...quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa

"Tu, porém, quando orardes, entra no teu quarto, e fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos

"Não vos assemelheis, pois a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais. Portanto, vós orareis assim:

"Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu reino; o pão nosso cotidiano dá-nos de dia em dia; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo o que nos deve. E não nos deixe cair em tentação; mas livra-nos do mal pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém!"
Evangelhos de São Mateus 6:5-15 e São Lucas 11:1-13


(Abra e veja como são discrepantes as duas orações entre si, na comparação dos dois textos. Isso evidencia o quanto elas foram alteradas no decorrer dos tempos e em seu registro até o Concílio de Nicéia.)

Essa oração foi tantas vezes modificada e alterada, tanto pela tradução da Vulgata como na Septuaginta, que fica muito difícil de sabermos como Jesus, de fato, a pronunciou. 

Houve outros enxertos por conta de papiros e cópias encontrados posteriormente até o Concílio de Nicéia em 325 d.C. 

Mas a oração original do Pai-Nosso no aramaico foi assim registrada pelos romanos no mármore perdido:


(Oração do Pai-Nosso ou oração dos Montes das Oliveiras recitada pelo prof. Goldberg-UESB.)


"Abwun d'bwashmaya
Nethgadash shmakin.
Teytey malkuthath,
Nehwey tzevyanach aykanna.
D'bwashmaya aph b'arha,
Hwavlan lachma.
D'sunganan Yaomana
Washboglan khaubayn watkhtahayn,
aykana.
Daph khnan.
Shbwogan l'khay yabayn.
Wela thalan
I'nsyuna Ela patzan min bisha.
Metol dlakhie malkutha,
wahayla.
Wateshbukhta
I'ahlam almin. 

Ameyn"

Tradução:

Pai-Mãe [Elohim], respiração da Vida e Fonte do Som,
Ação sem palavras, Criador do Mundo.
Que Sua luz brilhe dentro, entre e fora de nós,
Para que possamos torná-la útil.
Ajude-nos  seguir nosso caminho com o sentimento que emana de Ti.
Que eu possa estar contigo, para que caminhemos como Reis entre todas as criaturas. 
Que Seu desejo, seja o nosso desejo, em toda a luz, assim como em toda a forma que Tu criaste. 
Faça-nos sentir a alma desta Terra dentro de nós, pois essa foi [é] sua Sabedoria. 
Nos livre das aparências do mundo e de tudo o que nos ilude. 
Não nos deixe sermos tomados pelo esquecimento, pois Tu, é o Poder e a Glória do Reino [Malkut - mundo físico],
a Canção que renova e a tudo impõe beleza.
Que Seu amor seja o solo de nossas ações. 

Amém! 
Tradução: Prof. Goldberg, professor da disciplina de Hebraico, Aramaico e Filosofia
UESB- Depto. Filosofia, Sociologia e Antropologia - Vitória da Conquista. 

Essa oração foi cantada e reproduzida tantas vezes na cultura judaica que se tornou a forma correta de como alguém deveria rezar.

O que Jesus ensinou foi que a oração sincera é a mais simples que alguém possa conhecer para poder tocar o coração de Deus: 

"Qual é a oração correta? Essa que você aprendeu desde pequeno, esta que está aqui, registrada neste bosque simples, é assim que Deus gosta que oremos, com simplicidade, integridade e dedicação. Apenas isso...

E essa é a origem desta oração. 

Então, quando você for orar o Pai-Nosso lembre-se: Jesus apenas utilizou, como tantas outras vezes em suas parábolas, uma ação simples e corriqueira do cotidiano, para expressar que o que Deus deseja de verdade, está na mente e no coração daquele que o busca. 


Fim.:. 



Referências Bibliográficas

A Bíblia Anotada, de Dr. Charles C. Ryrie, ed. Mundo Cristão, 1996.

Dicionário da Bíblia, de John D. Davis, ed. Juerp, de 1985.

The Gospel of Matthew: Vol. 1, de William Barclay, ed. Saint Andrew Press, Edinburgh, Scotland, 2002.

The Gospel According to Matthew, de Francis Wright Beare, ed. Blackwell, Oxford, England, 1981.

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