sexta-feira, 10 de março de 2017

Alma Indígena ou não... Eis a Questão! - Parte 1

(Até parece... Não, gente, a colonização das Américas não foi fácil, e, sim, houve muita matança, dor e violência em graus pouco praticados pelo homem moderno. Acima, cenas do filme icônico Dança com Lobos, de 1990.)

No verão de 1550, frei Bartolomé de Las Casas e o teólogo Juan Ginés de Sepúlveda enfrentaram-se para tentar decidir a verdadeira natureza dos índios e quais os direitos deles diante da violência da colonização européia.

O mais provável é que os indígenas que sofriam e morriam a milhares de quilômetros dali jamais soubesse do debate. 

(Bem distante dos holofotes de Hollywood e do movimento literário do Indianismo de Castro Alves do século 19, a verdade é que muitos índios foram, literalmente, trucidados e mortos, por serem "tipos" inferiores de seres humanos, e era um favor a Deus sua exterminação.)

Contudo, na sala capitular de um convento de Valladolid, na Espanha, sob o sufocante verão de 1550, duas das mentes mais brilhantes da Europa, ambos religiosos de renome, esgrimiam para decidir a natureza e o destino dos coros e das almas dos nativos americanos. 

(Convento de Valladolid ou das Irmãs Descalças Reais, na Espanha. Aqui, travou-se um dos debates mais ferrenhos do mundo sobre o valor da humanidade, o que é de fato a Cultura, Sociologia e a História da natureza Humana, sob um pano de fundo muito complicado: E Deus, onde fica nisso?!?)

As conclusões desse debate nunca foram divulgadas, e talvez, nem mesmo tenham chegado a ser escritas, mas continuam a servir de marco para os aspectos mais luminosos e mais sombrios da colonização europeia na América. 

Nos cantos desse ringue teológico estavam dois sexagenários, diferentes em quase tudo, exceto na nacionalidade (ambos eram espanhóis) e na erudição. 

(Após conhecer a maioria das colônias da América Espanhola, Bartolomeu de Las Casas chegou a uma conclusão fatal: A selvageria europeia pela busca de ouro não poderia continuar em detrimento de assassinatos a sangue-frio de famílias e pessoas tão simples...)


(Inspirado nesta história, o filme 1492 - A Conquista do Paraíso, conta de forma bem realista os muitos elementos que ocorriam nesse momento, e o porquê era necessário manter a "fome" por ouro.)

O dominicano Frei Bartolomé de Las Casas tinha percorrido a pé ou de navio quase todos os recantos da América Espanhola, condenando a opressão imposta aos índios por conquistadores e colonos e questionando o direito dos espanhóis de impor o Catolicismo à força de armas. 

Seu adversário, o cônego Juan Guinés de Sepúlveda, lutava pelo direito de publicar, na Espanha dos conquistadores, um livro que não só justificava a escravização dos indígenas, mas também a considerava meritória - o único jeito de civilizar e cristianizar criaturas que, no máximo, eram seres humanos de segunda classe, feitos para serem governados. 

(Mas Juan não queria saber...: "Os indígenas são seres selvagens, ignorantes, fracos, que não suportam trabalhar, desejam passar suas vidas ao bel prazer das paisagens tropicais. (...) O nosso esforço e fé é que eles, um dia, se Deus assim desejar, possam, pelo menos sentir prazer em se vestir, comer civilizadamente e trabalharem sem reclamar.")

Na teoria, a situação era mais favorável a Las Casas que a Sepúlveda. 

As decisões anteriores das autoridades da Espanha e da Igreja haviam consagrado os direitos dos índios de não serem escravizados injustamente, bem como sua natureza de seres humanos. 

Até o papa Paulo III manifestou-se em favor dos indígenas na bula Sublimis Deus, de 1537.

(A Bula Sublimis Deus, escrita em 1537, declara: "Nós, ainda que indignos, exercemos na terra o poder de Nosso Senhor (...) consideramos que os índios são verdadeiros homens, e, não somente são capazes de entender a fé católica, como, de acordo com nossas informações, acham-se desejosos de recebê-la.")

Ali, o pontífice dizia que os índios "como verdadeiros homens, não somente são aptos, mas, conforme soubemos, recebem com a maior prontidão a mensagem da fé" e, por isso, recomendava que  não permanecessem privados de sua liberdade nem do domínio de seus bens.

A distância entre teoria e prática, no entanto, era das grandes. 

(Os poucos padres e/ou jesuítas que se atreviam a defender os indígenas eram deportados ou mortos... A verdade é que esse conflito foi recheado de ódio e amor, paixão e decepção, de ambos os lados. Os índios com seu jeito manso e tranquilo, e os europeus com sua carência emocional e curiosidade construíram uma ponte frágil, complicada e cheia de histórias belas e terríveis... Acima, cenas do filme A Missão, de 1986.)

Nenhum dos domínios europeus na América estava isento do trabalho escravo dos índios e, pior, de extermínios em massa praticados pelos espanhóis. 

Para muitos, esse era o destino inevitável de pagãos que se recusavam a aceitar a verdadeira fé. 

Não era difícil justificar a escravidão por meio da chamada guerra justa, na qual, supostamente, teria havido agressão prévia dos índios ou uma recusa deles de abraçar o Catolicismo. 

(E aqui, no Brasil, o que estava acontecendo?! Xiii... Família real falida e fugida chegando, escravocratas e libertarianistas brigando, e muitos casos interraciais acontecendo... Acima, filme Carlota Joaquina, de 1995.)

Os invasores chegaram até a criar a figura jurídica do requerimento.

O documento seria até cômico, se não fosse trágico numa única página, lida para os índios em voz alta (e escrita em espanhol do latim), resumia a história do mundo desde a criação até a descoberta da América, dizia que o papa havia dado as "Índias" aos espanhóis por sua autoridade divina e instava os nativos a servir os recém-chegados e converter-se - ou, então, enfrentariam graves consequências.



Continua...




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