sábado, 21 de maio de 2016

Maria, a Face Feminina de Deus - Parte 3

(Descobrir a verdadeira identidade de uma personagem tão central em meio as lendas e fantasias de uma história perdida e, contrapondo a ânsia em trazer para suas novas fronteiras, a certeza de uma Fé que dava seus primeiros passos no mundo, é quase uma missão impossível...)

Desde o momento em que Maria engravida, os fatos históricos perdem destaque para dar lugar aos dogmas teológicos que envolvem sua figura. 

Para os católicos, Maria foi concebida sem pecado: O Dogma da Imaculada Conceição, e manteve a pureza sexual durante a até mesmo depois do parto: A Virgindade Perpétua. 

Os protestantes relutam em aceitar tais doutrinas, lembrando que algumas traduções da Bíblia mencionam claramente os "irmãos" de Jesus. 

"Vieram ter com ele sua mãe e seus irmãos, e não podiam aproximar-se por causa da concorrência do povo. E lhe comunicaram: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem ver-te. Ele, porém, lhes respondeu: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam.
Evangelho de São Lucas 8: 19-21

"Não é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Não vivem entre nós todas as suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isto?"
Evangelho de São Mateus 13:55

"Depois disto desceu ele para Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos; e ficaram ali não muitos dias."
Evangelho de São João 12:2

"Dirigiram-se, pois, a ele os seus irmãos, e lhe disseram: Deixa este lugar e vai para a Judeia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Porque ninguém há que procura ser conhecido em público e, contudo, realiza os seus feitos em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo. Pois nem mesmo os seus irmãos criam nele..."
Evangelho de São João 7:3-5

"Mas, depois que seus irmãos subiram para a festa, então subiu ele também, não publicamente, mas em oculto."
Evangelho de São João 7:10

(Um dos temas que me fascinam no estudo da História Antiga e Medieval: as Legiões Romanas. Exemplo de liderança, comando, disciplina e estratégia, até os dias atuais, são um modelo para ataques e assaltos de Forças de Defesa modernas. Mas, no tempo de Jesus, ter uma força dessas comandando a política e a vida social de vilas e aldeias com uma cultura tão diferente era um problema potencial. A disciplina deveria ser mantida a todo custo, e conhecer o número e quais tipos de homens e mulheres que habitavam esses ajuntamentos era importante. Para o romano, o único ser humano que deveria ser respeitado e valorizado era o próprio romano. Acima, cenas da série Roma, produzido pelo canal privado HBO, de 2005.) 

"Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, estando entre elas Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele."
Livro dos Atos dos Apóstolos 1:14

"(...) e também o de fazer-nos acompanhar de uma mulher irmã, como fazem os demais apóstolo, e os irmãos do Senhor, e Cefas?"
1ª Epístola aos Coríntios 9:5

"(...) e não vi outro dos apóstolos, senão a Tiago, o irmão do Senhor."
Epístola aos Gálatas 1:19

A palavra "irmão" que aparece nos textos acima vem do grego adelphós, literalmente, "nascido do mesmo útero", não deixando nenhuma margem de dúvida quanto a origem desses indivíduos. Apesar disso, os dogmas católicos afirmam que essas passagens se referem a algum tipo de parentes próximos, como enteados ou primos de Jesus. 

Na cultura judaica, existe grande importância quanto a procedência da família, exatamente, para que todos se certifiquem que os indivíduos ali, de fato, sejam herdeiros das promessas e do sangue dos Patriarcas Abraão e Jacó. 

Os familiares de Jesus foram reconhecidos como legítimos filhos de Maria e irmãos de Jesus até mesmo pelos apóstolos. Entretanto, mesmo quando Pedro ou Paulo escreviam em suas epístolas, essa história havia decorrido um espaço de tempo de mais de 50 anos, podendo, muito do que foi registrado, ter sido apenas tradições orais. 


(Particularmente, eu não vejo nenhum problema em ver Maria como mãe de muitos outros filhos. Isso evidenciaria sua humanidade, e o esforço hercúleo em manter-se firme numa nova fé e perspectiva de Deus... Esse reconhecimento, apenas, enalteceria ainda mais essa mulher extraordinária!)

Não há solução para a polêmica da virgindade de Maria...

A Arqueologia, a Teologia e a Antropologia dão o xeque-mate, mas a tradição, as ideologias formadas em torno da fé individual e coletiva, a insistência da Igreja Católica em manter em suas linhas de defesa esses ensinamentos, impedem devidas e importantes revisões dos textos bíblicos, contra-argumentando que tudo é apenas uma questão de "crer ou não crer".

Entretanto, a opção católica por reforçar a virgindade de Maria servia como escudo contra os adversários do Cristianismo no século 1, que queriam provar a ilegitimidade de Jesus.

Muitos teólogos se apoiam em outros argumentos como afirmar que em outras referências, os vocábulos apresentados poderiam ser traduzidos como "primos" e, que por conta da grande mortalidade infantil da época, ter tantos filhos seria algo muito incomum. De fato... Isso, sim, seria um bom milagre para Maria...

É provável que a controvérsia sobre a virgindade eterna de Maria nem tenha sido tão intensa durante o tempo em que ela viveu, ou até mesmo, quando os primeiros escritos da Bíblia estavam sendo formulados, por isso, tantas controvérsias, pois se referiam apenas a dados biográficos, contudo, periféricos, sobre a vida de Jesus. 


(O mais legal e lôco da vida deste romano pagão e, depois, do cristão Santo Agostinho de Hipona (354-430) é que ele mesmo encarnou o que seriam os primeiros cristãos convertidos: pessoas hedonistas, com vidas entranhadas numa sexualidade perturbada e que, ao se converterem, repudiavam tudo, até mesmo o sexo e o casamento, exaltando o improvável, como uma concepção virginal. Toda essa metamorfose, de larva à borboleta, por assim dizer, fez parte das doutrinas e ensinamentos de Santo Agostinho. Para termos dados mais fidedignos é necessário rasparmos o remorso e o arrependimento de tudo o que ele viveu e escreveu... Acima, trailer do filme Santo Agostinho, de 2008. )

Na verdade, isso só começou a ter importância com Santo Agostinho, no início do século 5.

Ele via o ato sexual como impuro, por isso, sendo Jesus filho de Deus, não poderia ser ao mesmo tempo filho do pecado...

Mas, e Maria, o que achava de tudo isso?

Atenta à complicada situação, Maria meditava com frequência. 

Um manuscrito, também apócrifo, traz relatos atribuídos à própria Nossa Senhora em conversas com o apóstolo João. 

São reflexões da mãe de Jesus sobre os acontecimentos extraordinários que começaram a suceder em sua vida. 

"Quem, em seu juízo perfeito, teria escolhido por mãe uma pobre moça, filha de um artesão, em vez de buscar a proteção de uma família poderosa?

"O que os homens não valorizam, Deus escolhe. Ele escolhe os mais humildes para mostrar sua glória."
Evangelho Apócrifo da Virgem Maria

"Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração.
Evangelho de São Lucas 2:19


(Mesmo vivenciando um período de vozes e visões, Maria, uma menina com experiência mística e espiritual, manteve-se firme e sóbria diante da avalanche de mudanças em sua vida. Mesmo para o mais experiente buscador espiritual, enfrentar um período de convocação, no qual aparições, sonhos e vozes atormentam a consciência do indivíduo é uma tarefa das mais difíceis... Acima, cenas de Jesus: A História do Nascimento, de 2006.)

Traços da personalidade da jovem também ajudam a entender a preferência divina. Maria era uma moça consciente, temente a Deus, que nunca colocou um obstáculo para que ele materializasse seu filho nela. 

"Então disse Maria: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra. E o anjo se ausentou dela."
Evangelho de São Lucas 1:38

Ela era religiosa da descendência de Arão, e frequentava a sinagoga local e o templo de Jerusalém, até mesmo porquê o esposo de sua prima era também um dos sacerdotes escalados para servir ao templo e a sinagoga local naquele tempo, tornando essa prática quase uma obrigação familiar.  

"Nos dias de Herodes, rei da Judeia, houve um sacerdote chamado Zacarias, do turno de Abias. Sua mulher era das filhas de Arão, e se chamava Isabel. Ora, acontecendo que, exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem do seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para queimar o incenso; e durante esse tempo, toda a multidão do povo permanecia na parte de fora , orando. E eis que lhe apareceu um anjo do Senhor, e, de pé à direita do altar do incenso. (...) Disse-lhe porém, o anjo Gabriel: Zacarias, não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho a quem darás  nome de João."
Evangelho de São Lucas 1: 5 e 13

Maria não se abalou nem mesmo quando José, seu futuro marido, tomou conhecimento da gravidez e decidiu abandoná-la em segredo, para não comprometer sua honra. Um anjo apareceu em sonho para seu noivo e tirou as dúvidas do coração de José. 

(Houve 6 reis Herodes na história, e Herodes I participou dos eventos da vida de Jesus. Ele era um homem fraco, covarde e edomita, odiado pelos judeus por isso... Tinha um enorme medo de ser assassinado por descendentes do Rei Davi, a profecia sobre o Messias lhe dava pânico, decretou um infanticídio odioso nos tempos de Jesus, e morreu sendo um dos homens mais perversos da história. Acima, reportagem do Jornal Nacional, do canal público Globo, exibido em março de 2013.)

"Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe desposada [o vocábulo deveria ser traduzido como noiva, mas esse laço social na cultura judaica não existe, havendo um tipo de pré-casamento, com exceção apenas do contato físico entre os cônjuges. O compromisso e legalidade do relacionamento é reconhecido publicamente como um casamento.] com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo.

"Mas, José, seu esposo, não querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber, Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo. (...) Despertado do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor, e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus."
Evangelho de São Mateus 1: 18-20, 24,25

Para fugir do diz-que-diz do povo da pequena Nazaré, que naquela época não contava mais que 300 moradores, Maria seguiu para a casa de sua prima. 


(Encontro de Isabel e Maria. Acima, cenas do filme Maria, a mãe de Jesus, de 2010.)

Segundo o Evangelho de São Lucas, o filho de Isabel, que também grávida, esperava, se remexeu em seu ventre e ela reconheceu em Maria a mãe do Messias.

"Naqueles dias, dispondo-se Maria, foi apressadamente à região montanhosa, a uma cidade de Judá, entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. 

"Ouvindo esta a saudação de Maria, a criança lhe estremeceu no ventre; então Isabel ficou possuída do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. E de onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor? Pois, logo que me chegou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criança estremeceu de alegria dentro em mim. Bem-aventurada a que creu, porque serão cumpridas as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor."
Evangelho de São Lucas 1:39-45
  
Depois de três meses com a prima, Maria voltou para Nazaré e casou-se com José. A desconfiança de seu noivo fora vencida, mas os desafios de Maria estavam só começando...

Aos nove meses de gravidez, um recenseamento obrigou José e Maria a se deslocarem-se para Belém, cidade natal do carpinteiro. 


(Os recenseamentos eram comuns no Império Romano, ocorrendo em qualquer época ou razão enquanto o Império vigorou no mundo por 503 anos e mais 1000 anos em Constantinopla. No entanto, os cidadãos conquistados não precisavam se deslocar à suas cidades natais. Os dados arqueológicos e históricos afirmam que esses recenseamentos eram apenas para saber quantos homens, aptos para guerra, haviam na região conquistada. Não sabemos, exatamente, porque Lucas faz uma referência sobre uma viagem de José e Maria à Belém, acredita-se que foi para não haver boatos sobre a real paternidade de José quanto a Jesus. Acima, cenas do filme Maria, a mãe de Jesus, de 2010.)

"Naqueles dias foi publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era governador da Síria.

"Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. 

"José também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, para a Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. 

"Estando eles ali, aconteceu completarem-se-lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria."
Evangelho de São Lucas 2:1-7


(O nascimento de Jesus. Acima, cenas do filme Maria, a mãe de Jesus, de 2010.)



Continua...



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