sábado, 7 de maio de 2016

Maria, a Face Feminina de Deus - Parte 2

(Delicada, sim, frágil... Com certeza, não!)

A delicadeza, geralmente, atribuída à Maria encontra eco nos relatos não-oficiais sobre seu nascimento e sua infância. Nada disso é relatado na Bíblia, mas é contado em detalhes pelo Proto-Evangelho de Tiago, escrito por volta do século 2.

No dia seguinte, ofereceu seus bens ao Senhor, e disse consigo mesmo [Joaquim, pai de Maria]: "Se vir o éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável". Ao oferecer o sacrifício, notou o éfode do sacerdote [vestuário cerimonial só usado pelo sumo-sacerdote, um tipo de xale usado sob o hoshen, placa de ouro com as doze pedras da Tribo de Israel] quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer pecado em sua consciência, disse: "Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados". Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.

Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês [o que era raro naquele tempo, por isso a referência]. E perguntou à parteira: "A quem dei a luz?". Respondeu a parteira: "A uma menina". Exclamou Ana: "Eis que minha alma foi exaltada!" - e colocou a menina no berço. Quando cumpriu-se o tempo definido pela Lei, Ana purificou-se e deu de mamar à menina [infelizmente, naquele tempo, a mãe não poderia amamentar o bebê enquanto estivesse sangrando após o parto, sangramento este que é interrompido em 3 dias]. E pôs-lhe o nome de Maria.
Proto-Evangelho de Tiago, 5:1-2

Segundo esse texto apócrifo (sem autenticidade comprovada), Maria é isenta de pecado desde a concepção: Ana, sua mãe, seria estéril, mas suas preces teriam sido ouvidas por Deus, que lhe enviara um anjo dizendo que ficaria grávida. A famosa aparição se repetiria anos depois, com Maria. 

Com Joaquim, diz o apócrifo, Ana criou Maria num ambiente de extrema pureza, deixando-a aos cuidados de 12 virgens. 

Aos 3 anos, a menina foi entregue ao templo de sacerdotes de Jerusalém, onde ficou até a adolescência.

"Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo."
Proto-Evangelho de Tiago, 10:2

Afirma o texto, rejeitado por alguns teólogos e historiadores pelo tom fantasioso de alguns trechos. 

Apesar da suposta formação no templo, muitos pesquisadores acreditam que Maria não tenha recebido educação formal. Maria não sabia ler nem escrever, mas não era ignorante. Sua cultura tinha uma tradição oral muito rica. 

(Abaixo do pináculo do Templo, haviam salas nas quais crianças, meninos e meninas, aprendiam sobre os 5 primeiros livros da Lei. Para isso, nem sempre elas precisavam ler, pois havia um Rabi que lia para elas. Ali, elas aprendiam sobre a história de seu povo e seu Deus.)

Além do mais, escrever era muito caro, pois se usavam peles de animais. Aos 12 anos, Maria foi obrigada a deixar o templo para não maculá-lo com seu sangue, pois estava prestes a menstruar pela primeira vez.

"...nem se chegando à mulher na sua menstruação. Porque a vida da carne está no sangue.  Tudo o que se move, e vive, servos-á de alimento... Carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis."
Livro do Profeta Ezequiel 18:6; Levíticos 17:11; Gênesis 9:3-4.
(Os textos acima fazem parte de vários argumentos usados no Talmud para justificar que uma mulher menstruada não deve entrar no Templo, não ter relações sexuais ou amamente seu bebê durante o sangramento pós-parto.)

Ainda, segundo Tiago, os sacerdotes escolheram como seu noivo José, um homem mais velho, viúvo e pai de outros filhos. 

O Casamento de uma jovem com um homem mais velho era extremamente normal, pois a união era acertada entre as famílias, não era uma escolha pessoal dos noivos. Naqueles tempos, as mulheres casavam-se na puberdade porque a expectativa de vida era bem menor do que hoje. 

(José, um personagem tão importante e, historicamente, tão desprezado... Reconhecidamente tido como um homem humilde, bom esposo e pai de família, aceitou uma espiritualidade difícil que confrontou sua masculinidade. Aceitou uma mulher grávida de forma estranha e, aceitou, por meio de um sonho, que aquela mulher era especial. Criou aquela criança como sendo sua... José foi um homem excepcional... Acima, cenas do filme José, Pai de Jesus, de 2012.)

Apenas duas em cada cinco pessoas nascidas chegava à idade adulta...

O perfil corajoso e ativo que marcaria sua trajetória começa ser revelado no mundo da concepção.

Já ao receber a visita do anjo Gabriel, sua conduta não foi passiva: Maria questionou o mensageiro sobre como a gravidez seria possível, sendo ela ainda virgem. Ao saber que o Espírito Santo desceria sobre seu corpo, ela aceitou, conscientemente, que fosse feita a vontade do Senhor.

(Acho tão interessante quando Maria retruca ao anjo como ela teria seu filho... Isso mostra que ela era uma mulher inteligente e não seria enganada por qualquer epifania sem sentido!)

Maria entendeu o valor profético de seu papel de mãe e o quanto isso seria capaz de subverter a ordem econômica e social da época. E isso nada tem de maternidade silenciosa e submissa, é uma maternidade subversiva. 

Maria era uma mulher com bem mais autonomia do que nos é apresentada. 

Era capaz de dizer sim e não.

Não apenas dizer sim, obediente aos poderes estabelecidos, mas dizer não aos poderes opressores do povo e das mulheres. É possível interpretar Maria como símbolo do povo que busca a liberdade.


(Um momento muito importante, mas apenas registrado no Evangelho de João: O milagre da água em vinho, mostra uma mulher preocupada tanto com o bem estar das pessoas como com a missão de seu filho. Apesar disso, ela o confronta a se revelar antes de sua hora, evidenciando uma personalidade nada submissa.)

É o símbolo do povo, mulheres e homens, capaz de gerar em si mesmo a libertação do que necessita. 

Com apenas 13 anos e grávida, foi exposta a uma sociedade fortemente patriarcal - e machista

Além de não poderem ser alfabetizadas, as mulheres galileias do século 1 sofriam um sem-número de restrições: só podiam sair de casa com véu e capa, não podiam fazer as refeições com os homens (deviam estar prontas para servi-los, caso faltasse algo), iam sempre atrás deles ao caminhar para a sinagoga, onde se sentavam em lugares diferentes, e, em caso de adultério, eram apedrejadas publicamente.


(A visão liberal e equânime que Jesus apresentou aos líderes de seu tempo, não foi fruto apenas de um misticismo pessoal. Essa noção de igualdade para com o próximo foi algo construído no seio de uma família que privilegiava isso. Uma mãe que não ensina um homem a respeitar as mulheres, falha em sua função na construção da sexualidade de seu filho. E, Jesus foi um homem além de seu tempo no que tange o respeito e reconhecimento do feminino. Maria cumpriu seu papel de mãe ao ensiná-lo a agregar o feminino em sua vida espiritual, no qual germinou suas doutrinas de perdão e paz. Acima, cenas do filme Jesus de Nazaré, de 1977.)




Continua...

0 comentários:

Postar um comentário

Aranel Ithil Dior. Tecnologia do Blogger.

Search This Blog