sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O bê-a-bá da Fé - Parte 4

(A religiosidade brasileira é uma luta, que veremos no final desta matéria, iniciada em 1549. E, apesar de parecer irrelevante esse tipo de discussão no Brasil, isso é motivo de muitos problemas nas vidas de algumas pessoas, ficando em pauta desde o veto da governadora Rosinha Matheus-RJ em 2005, estabelecendo o ensino religioso confessional. Acima, a primeira parte da série Fé na Educação exibido pelo canal privado Globo News, em 2012.)

Esteve em curso, especialmente no estado do Rio de Janeiro, a discussão sobre o ensino religioso nas escolas, iniciado em 2000 pelo então governador Anthony Garotinho.


(Participantes de uma onda evangélica que se propagou pelo mundo desde 1994, Rosinha Matheus e Anthony Garotinho pregavam sua fé em todo Rio de Janeiro, acreditando que isso mudaria o rumo da violência do estado. Infelizmente, eles mesmos foram tragados, e a fé de ambos não foi o suficiente para sustentar tudo o que pregavam... Acima, matéria do jornal Globo News, de 18 de novembro de 2016.)

No início de março de 2005, a Assembléia Legislativa carioca manteve o veto da governadora Rosinha Matheus (PMDB), esposa de Garotinho que assumiu o governo do estado, ao projeto de lei que instituía o ensino inter-religioso (que aborda igualmente todos os credos e religiões) nas escolas públicas do estado do Rio. O problema, foi que a governadora queria que cada religião fosse ensinada em salas separadas e com professores formados ou com experiência na disciplina teológica própria para o aluno confessional.  O que foi tido como um enorme retrocesso, já que este veto assim estabelecia: "O ensino religioso nas escolas públicas do Rio de Janeiro deve ser ministrado por professores que professem a mesma teologia religiosa de seus alunos em sala de aula." - numa tentativa de deter as crescentes ondas de violência criminal e discriminação religiosa iniciada no Brasil na época, por evangélicos que estavam ascendendo os estratos sociais.

(Conflitos religiosos tem atualmente, sido despertados. A França tem sofrido com os limites da religião há 10 anos antes da ocorrência acima. O uso confessional religioso na França é um assunto complicado desde o reinado de Luis Felipe I (1773-1880) que exigiu, por medo de sua deposição, que todas as religiões e sociedades secretas expusessem suas reais intenções para com a Monarquia. Hoje, esse medo político ainda reverbera na França, onde o ensino e apresentação confessional de uma religião é entendida como uma violação aos direitos humanos. A situação saiu do controle em 2010 por conta dos atentados de 11 de setembro nos EUA e Inglaterra, startartando o alerta mundial. O uso de véu, burka ou likab, que cobrem o rosto da mulher, dificultando a identificação de um possível terrorista; desde 2005, é palco de discussão, mas o uso do likab e a burka, é proibido em locais públicos e de massa. Acima, trecho do jornal Bom Dia Brasil, da rede pública Globo, de 2011.)

Em 2005, em edital, foi proclamado que haveria no estado do Rio de Janeiro concursos para professores lecionarem em escolas públicas com o objetivo do ensino religioso confessional. Houve um embargo do Ministério Jurídico, pois a prerrogativa de abrir concursos públicos pedagógicos deve ser deferido pelo Ministro do Executivo, o que não havia acontecido. A discussão foi se protelando e caiu no esquecimento... 

O que vigora nos colégios cariocas e em todo o Brasil é a implantação da Lei de Diretrizes e Bases, atualizada em 2008 que promulga: 

"Art.11 - A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

"Parágrafo 1º - O ensino Religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação."
Constituição da República Federativa do Brasil,
Lei Fundamental, Título VIII. 

Como ficou?

Hoje, no Brasil, as escolas públicas não possuem disciplinas específicas teológicas em sua grade pedagógica. O que ficou sendo adotado, apesar da Lei citada acima, é que as disciplinas de Filosofia, Sociologia e Educação Cívica abordem moderadamente esse assunto. 

Acreditar que o Brasil não sofre com discriminação religiosa é uma tolice... Sim, apesar do Brasil desfraldar a bandeira de liberdade de expressão, e, sim, até possuirmos muitas liberdades de fundo cultural que surpreende estrangeiros do mundo inteiro, a identidade religiosa individual ainda é fruto de medos, preconceitos e constrangimentos. 

(A pressão que perdura desde o século 19 na França, e a discriminação em escolas e na vida pública na cidade de Paris, só tem piorado a convivência pacífica entre seus cidadãos. Acima, matéria do Jornal Nacional exibido em 17 de outubro de 2015.)

Toda a discussão traz à tona o papel da escola na formação religiosa das crianças. 

Para a professora e mestranda Milena Gusmão, existem diferenças fundamentais entre a educação religiosa da família e a das escolas. 

"É aceitável que os pais queiram passar seus valores para o filho. Se praticam uma religião de forma atuante, a criança assimilará a crença naturalmente."
Prof. Milena Gusmão

Porém, nas escolas o ensino deve ser inter-religioso. Todos os credos devem ser apresentados de modo equilibrado a fim de que o aluno desenvolva a tolerância e o entendimento do "algo" em comum que une todas as crenças: que é o desenvolvimento e a melhoria da integridade e caráter do ser humano.

A alteração da Lei feita no início desta matéria burlaria essa liberdade.

O papel da escola é despertar a autonomia e a consciência do aluno para essa questão. 

Ao contrário de reforçar as diferenças, os colégios deveriam promover o diálogo. Afinal, no bê-a-bá da fé, o exemplo é muito mais forte do que o discurso ou a repreensão.

Os caminhos espirituais que a criança seguirá no futuro estão fora do alcance de pais, líderes religiosos ou educadores. Mas uma coisa é certa: a semente da religiosidade, se bem plantada e cuidada, estará sempre lá!

"O ensino religioso é  base para preparar crianças e jovens para uma vida cheia de fé e amor ao próximo."
Helena P. Blavatski,
escritora, criadora do sistema Teosófico e da Sociedade Teosófica (1831-1891).


Debate Teológico

Saiba como várias religiões formam suas crianças. 

Adventistas - Há lições bíblicas para cada faixa etária, que devem se reestudadas em casa diariamente e nas escola sabatinas. Além disso, a igreja oferece cursos cristãos durante as férias, conjuntos musicais e grupos de atividades, como os desbravadores. 

Budismo - A iniciação budista não tem idade, parte da vontade da criança. No japão e na China, são mais comuns as escolas de ensino confessional e ensino nos templos. No Brasil, como a religião ainda é recente, são poucos os templos que oferecem essa estrutura. Há cursos e retiros dos quais as crianças participam, mas nada voltado apenas para elas. 

Catolicismo - A partir dos 7 anos, as crianças começam a compartilhar das aulas de catequese, preparação para  a Primeira Comunhão, na qual receberão o corpo e o sangue de Cristo. Antes de comungar, os pequenos também se confessam pela primeira vez. Até então, eles não têm acesso a esses dois sacramentos, mas participam das missas, cantam, fazem suas orações.


(A experiência da prof. Alessandra Ribeiro de Jesus Mendes, doutoranda da Unesp, explicando a necessidade da diversidade religiosa nas centros educacionais, de 2014.)

Espiritismo - As casas espíritas seguem diferentes métodos. No Centro Espírita Antônio Cruz, em Vitória da Conquista, enquanto os pais se integram à palestra e aos passes, crianças de 4 a 12 anos participam da escola de Moral Cristã. Lá, aprendem não somente os fundamentos do Espiritismo e os ensinamentos de Jesus, mas também recebem uma formação moral, por meio de cantos, orações, pintura, música e teatro.

Hare Krishna - A religião é transmitida no lar ou em escolas chamadas de gurukula, onde as crianças a partir dos 5 anos, aprendem as disciplinas do ensino regular, agricultura, sânscrito, artes e a filosofia da religião. No Brasil, a única escola védica é a Nova Gokula, em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo.

Islamismo - As primeiras palavras que uma criança muçulmana ouve, ao nascer, são orações recitadas por seus pais, que dependendo se a vertente islâmica for conservadora, poderá até ser recitada em libanês ou árabe, conforme a nacionalidade dos pais. A formação religiosa se dá em escolas de ensino confessional islâmico e, nas mesquitas, em grupos de estudos do Corão para crianças, cursos de férias e cursos de fim de semana. 


(A briga religiosa entre o Pr. Silas Malafaia e o jornalista Boechat rendeu nas redes sociais... Acima, Nando Moura deixando sua opinião religiosa em 2015. A necessidade e função de haver o ensino religioso laico em tenra idade  nas escolas é, exatamente, para evitar situações como essas: partidarismos desnecessários, defesas e ataques que promovam violência, e o desrespeito ao público ao definir a minha visão do "certo".)

Judaísmo - Desde cedo, as crianças são acostumadas a respeitar o Shabat e os rituais religiosos. Os pais judeus tentam educar seus filhos primeiro pela vivência, na rotina diária doméstica. A garotada estuda, geralmente, em escolas de ensino confessional, onde aprende a cultura e a religião judaicas. Aos 13 anos, para os meninos, e aos 12 para as meninas, acredita-se que tenham conquistado a primeira maturidade de sua Alma, sendo, então, chamados para ler a Torá em público pela primeira vez, mas sem tocá-la. 

Umbanda - Desde cedo, as crianças participam das reuniões, mas não as acompanham por inteiro: compõem a curimba (local do terreiro onde ficam os instrumentos de percussão e onde são feitos os cantos), recebem passes num momento exclusivo, ajudam a tirar os bancos e a distribuir frutas oferecidas aos orixás e aos participantes. Nos momentos mais sérios das reuniões, ficam numa sala à parte, com jogos, brincadeiras e dinâmicas de grupo.  

"Ensina a criança o caminho que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele." 
Livro dos Provérbios do Rei Salomão 22:6


As Leis Religiosas do Brasil

1549 - Trazidos pelo governador geral Tomé de Souza, chegam ao Brasil seis missionários jesuítas liderados por Manuel da Nóbrega. Em Salvador, fundam o colégio da Companhia de Jesus, a primeira de centenas de escolas públicas e gratuitas espalhadas pelo Brasil. Originalmente, essas instituições seriam para os indígenas, mas eles frequentavam apenas as unidades de fazenda, onde serviam de mão-de-obras para os jesuítas. Os colonos reivindicaram as escolas para educar também seus filhos e se tornaram seus usuários exclusivos.

1759 - Os jesuítas são expulsos de Portugal e dos territórios pelo Marquês de Pombal. O ensino público passa às mãos de outros setores da Igreja Católica.

1824 - Começa a vigorar a primeira Constituição do País: "Constituição Política do Império do Brazil" - outorgada por D. Pedro I no dia 25 de março de 1824. A carta estabelece que a religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império.

1890 - O Decreto 119 - Assinado pelo presidente Manoel Deodoro da Fonseca, proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa e consagra a pela liberdade de cultos.

1891 - Começa a vigorar a primeira Constituição republicana que define a separação entre o Estado e quaisquer religiões ou cultos e estabelece que "será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos". Também se proclama que todas as religiões são aceitas no Brasil, e podem praticar sua crença e seu culto livre e abertamente.

1931 - Decreto de Getúlio Vargas - reintroduz o ensino religioso nas escolas públicas de caráter facultativo. Em resposta, foi lançada a Coligação Nacional Pró-Estado Leigo, composta por representantes de todas as religiões, além de intelectuais, como a poetisa Cecília Meireles.

1934 - É promulgada uma nova Constituição, cujo artigo 153 define: "O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais".

1946 - A Constituição que passa a valer em 18 de setembro diz: "O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável". 

1961 - A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe em seu artigo 97: "O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. Parágrafo 1º - A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. Parágrafo 2º - O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva".

1967 - A nova Constituição Federal diz: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio".

1969 - A emenda constitucional número 1/1969 mantém a mesma redação da Constituição de 1967.

1971 - Na segunda LDB (5692/71) consta: "Art.7º - Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º 2º graus, observando quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei nº 369, de 12 de setembro de 1969. Parágrafo Único: O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus".

1988 - A nova Constituição diz no artigo 210, parágrafo 1º: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". O artigo 5 define: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". No artigo 19, consta: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 1 - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalva, na forma da lei, a colaboração de interesse público; 2 - recusar fé aos documentos públicos; 3 - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

1996 - O texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de dezembro de 1996, definia: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: 1 - Confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou 2 - Interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa".

1997 - Em julho passa a vigorar uma nova redação do artigo 33 da LDB 9394/96 (a lei nº 9.475): "O ensino religioso de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Parágrafo 1º - Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. Parágrafo 2º - Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso".

2009 - Aprovação pelo Congresso Nacional do Acordo Brasil-Santa Sé, assinado pelo Executivo em novembro de 2008. O acordo cria novo dispositivo, discordante da LDB em vigor: 

"Art. 11 - A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. Parágrafo 1º O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultual religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação".


Fim.:.




Referências Bibliográficas

Oração de Gente Pequena, de padre Zeca, ed. Paulus, 2003.

Catequese Hoje, ed. Paulus, de 2003.

Ensino Religioso e Formação do Ser Político, de Tarcizo Gonçalves Filho, ed. Vozes, 1998.

As Leis Brasileiras e o Ensino Religioso nas Escolas Públicas, fontes UMESP, USP, MPD, FAPESP, de 2015.

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