terça-feira, 12 de julho de 2016

O Mundo Mágico das Florestas - Parte 1

(Carmem Junqueira, professora há mais de 25 anos da disciplina de Antropologia, Fundadora da Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-BA, querida e amada mestra de todos os alunos de História, Sociologia e Filosofia da UESB - Vitória da Conquista e autora do livro que é referência no estudo da vida indígena brasileira: Antropologia Indígena.)

Cai a noite no Alto Xingu...

Na aldeia Kamayurá, todos se recolhem às redes.

Exceto uma pessoa, a antropóloga Carmem Junqueira, nossa querida e estimada professora da disciplina de Antropologia dos Departamentos de História e Filosofia da UESB - Universidade Estadual do Sudoesta da Bahia, campus Vitória da Conquista. 

Ela padece de uma dor de ouvido lancinante...

Chama o pajé Tacumã e avisa que vai até o posto de saúde mais próximo. Ele tenta dissuadi-la, consciente dos perigos naturais e sobrenaturais que a floresta oferece. 

(Pajé Tacumã Kamayurá, uma celebridade de nossas aldeias indígenas, foi um dos mais procurados pajés-xamãs do Brasil. Falecido em 25 de agosto de 2014, deixou um legado de amor à natureza e a sua própria natureza indígena. Faleceu aos 83 anos.)

Nem mesmo ele ousaria enfrentar os espíritos soltos na escuridão!

Mas a antropóloga reúne suas últimas forças, pilhas para a lanterna e balas para seu revólver, disposta a encarar as duas horas de caminhada até o posto médico. 

Tacumã, num corajoso gesto de cavalheirismo, dispõe-se a acompanhar a cientista. Antes da partida, porém, tenta um último recurso para mantê-la na aldeia:

"Posso te curar?" - pergunta com respeito, pois sabe que a antropóloga não professava a fé indígena. 

Também por respeito ao pajé, a pesquisadora aceita o ritual.

(Acima, tribo Kayamurá, do Alto Xingu, uma zona terrestre que pertence ao Parque Indígena do Alto Xingu - Mato Grosso. Criado em 1961 pelo então presidente Jânio Quadros, abriga 14 etnias. Administrado pelos irmãos sertanistas Villas-Boas, é referência de estudos acadêmicos brasileiros e internacionais sobre nossa herança e carga genética da América do Sul. Acima, reportagem do programa Globo Natureza exibido em 2011, produzido pela Rede Globo, canal público.) 

Ele a deita na rede e repousa, suavemente, a mão sobre a parte do rosto que dói, enquanto solta baforadas do fumo nativo, o patum.

Professora Carmen, nos diverte, lembrando:

"Em menos de dez minutos, senti todo o lado do rosto adormecido, como que anestesiado, e a dor passou!"

Quando finalmente, a professora foi ao médico, ela descobriu que estava com uma inflamação grave no nervo Trigêmio, daquelas que se trata com doses cavalares de anti-inflamatórios e analgésicos. E, até hoje, ela não encontrou explicações científicas para o que lhe aconteceu.

Ela finaliza sua história:

"O pajé vive num mundo mágico...

"Ele prevê a chuva, faz benção para a roça, conversa com todos os animais e outras coisas que a gente não pode nem falar, nem ver, senão vão dizer que estamos inventando... Mas, eu sei que essas coisas, de um jeito misterioso, existem..." - Ela ri, e toda a sala ri junto!

Figura fundamental na relação do indígena com o sagrado, o pajé começa a assumir novo papel: o de porta-voz das tradições religiosas e culturais.

(Pela primeira vez, acompanhando a onda de "aceitação pluri-social" dos americanos, o Brasil oficializa a religião e cultura indígena como uma vertente filosófica válida e que deve ser respeitada sob pena de prisão inafiançável. Acima, programa educacional do canal público TV Cultura, exibido em 2012.) 

No II Encontro Nacional dos Pajés, que deverá ocorrer em outubro deste ano, na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso, eles defenderão o diálogo dos saberes tradicionais com a ciência e a "oficialização" da religião indígena.

O Cacique Santixiê Tapuya, um dos organizadores do evento, explica que, mais do que um reconhecimento formal ou burocrático, o que os índios querem, mesmo, é o respeito dos brancos para com os valores espirituais dos primeiros habitantes do país. 

Atualmente, e já há algum tempo, a cultura indígena brasileira, acompanha uma onda mundial, que busca a visibilidade na sociedade moderna. 

Conhecer a diversidade de conceitos e práticas espirituais de cerca de 230 povos não é uma tarefa simples!

A própria palavra "religião" é inadequada para descrever a espiritualidade que foge dos formalismos e das estruturas de poder. 

Na base da teologia indígena, cada índio - criança, jovem ou adulto - tem sua força espiritual. Cada um tem livre determinação e capacidade de se relacionar com o seu Criador.

(Hoje, existem vários departamentos de História de Universidades estaduais e federais que disponibilizam para as escolas públicas do Brasil um ciclo educacional sobre as lendas e mitos indígenas brasileiros. Acima, ciclo da Tribo Bororo, realizado pela equipe de Áudio-Visual e turma de Jornalismo e História da USP, de 2014, televisionado pela TV Cultura.)

O indígena reconhece o sagrado na natureza.

O melhor meio para se falar de uma fé indígena, assim no singular, é buscando o que há de comum entre as diversas crenças e rituais. E, certamente, a estreita ligação com a natureza é o fio condutor que nos leva diretamente aos mitos da criação, presentes em diversos grupos. 

O aparecimento do Sol e das Estrelas, das plantas, dos animais e alimentos é explicado pela ação de diversas divindades. Embora, em algumas culturas exista a figura de um herói criador, ele não tem o mesmo "peso" do Deus cristão. 

Para o índio não existe a noção de um Deus supremo. 

E, há, também, em vários grupos indígenas, a chamada mitologia dos gêmeos (em alguns povos, substituídos por pai e filho) que representam as forças da criação e destruição. Enquanto um cria, o outro destrói e, assim, equilibram a ordem do mundo.


(Tupã é a força primária, o raio que gerou o Mundo a serviço de Lamandu, o Deus Criador.) 

(Trabalho "A Sociedade Indígena", da turma de História-2009, realizado pelos graduados: Tavinho Fonseca, Sara Cristine, Camile Almeida e Vanderson Lupe. Acima, canção Tupã dos Homens às Flautas.)

Para quem já está se perguntando por onde anda Tupã, nome que a gente aprende ainda na escola vale uma correção histórica:

Tupã não é o "Deus dos Índios" como a cultura leiga (e branca) impôs. 

Os colonizadores adaptaram o termo que os tupi-guaranis usavam para o trovão e disseram que eles adoravam Tupã (a força das tempestades, constantes, na época, por todo Brasil).


Continua...



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