Aproximando-nos dos 68 anos da morte de Hitler, uma ferida ainda sangra nas fileiras cristãs: diante das atrocidades nazistas, muitos seguidores de Jesus tiveram de optar entre a omissão, a moderação ou a tomada de atitude em nome da fé.
Fevereiro de 1944...
No Vaticano, o papa Pio XII discute os últimos acontecimentos da guerra com seus principais assessores.
A cúpula da Igreja manifesta seu descontentamento com a recente destruição do Mosteiro Monte Cassino, na Itália, pelas forças aliadas, mesmo sabendo que a retomada do local representa um duro golpe contra os nazistas.
Numa rua próxima, um padre se desespera com a deportação iminente de pelo menos mil judeus italianos para os campos de concentração de Hitler. Percebendo que só uma intervenção direta do papa poderá salvar aquelas pessoas, o padre corre para buscar o auxílio de Sua Santidade. Porém, ao adentrar o salão em que se realizava a reunião das lideranças católicas, recebe de pronto um olhar de desaprovação dos cardeais.
O jovem sacerdote não se abala e clama por ajuda: "Santo Padre, mil judeus serão deportados, a menos que interceda". Sem demonstrar surpresa, o papa responde calmamente: "Quem está ao lado dos perseguidos fala pela Santa Casa. Mas, neste assunto, só a moderação poderá nos salvar. No momento certo, intercederemos para restaurar a paz universal que reunirá todos os cristãos. Nossas orações, nossos gritos de dor..." - neste instante, Pio XII se cala e todos se voltam para o padre. Transtornado, o jovem recua e, com uma das mãos, prende uma estrela de Davi na batina.
O gesto indicava que ele não conocordava com a moderação do papa e estava disposto a ser levado para os campos de concentração. Os cardeais o acusam de blasfêmia. Com lágrima nos olhos, o padre pede perdão, se retira e caminha até o trem em que os judeus estavam sendo embarcados para deportação.
As cenas dramáticas acima descritas fazem parte do filme Amém, do diretor grego Costa-Gravas. Inspirado em fatos reais, o longa-metragem conta a história de dois homens que se uniram para tentar impedir o genocídio da Segunda Guerra Mundial.
O primeiro é um oficial da polícia secreta alemã, que inconformado com a matança e milhões de inocentes, tenta fazer acordos com líderes cristãos para impedir mais mortes.
O segundo é o padre apresentado acima, um jesuíta convicto de sua missão: reduzir o número de vítimas do holocausto. Lançado em 2002, o filme causou polêmica ao sugerir uma postura pouco combativa das lideranças católicas e protestantes em relação ao regime nazista após a morte de Adolph Hitler.
O tema abordado pela obra ainda é uma ferida não totalmente cicatrizada da história recente dos seguidores de Jesus: a relação ambígua entre as igrejas cristãs e o regime assassino do Führer alemão.
Em nome de Cristo
Segundo estudiosos, o regime de Hitler não era totalmente desprovido de fundamentação religiosa. Em seu livro O Santo Reich, o historiador Richard Streigmann-Gall, da Universidade Kent State, nos Estados Unidos, faz um levantamento das inclinações religiosas da elite do Partido Nazista.
Segundo ele, muitos dos protagonistas do regime nutriam vínculos estreitos com a fé cristã. Essa ligação era mais óbvia no que tangia aos judeus, mas também no que dizia respeito a um vasto leque de questões como o marxismo, liberalismo, o direito da mulher e o homossexualismo.
Em outras palavras, parte da elite nazista utilizava a Bíblia para sustentar atos abomináveis, como a perseguição e o extermínio dos judeus. Eles recorriam a tradições cristãs para articular sua visão do nazismo, não apenas para o povo alemão, mas sim, acima de tudo, de uns para os outros e para si mesmos.
Outros autores, como John Cornwell, autor de O papa de Hitler, têm uma visão semelhante. O Cristianismo - e o Catolicismo em particular - tinha longa história antijudaísmo em termos religiosos, algo que não diminuíra no século 20.
Não era parte da cultura católica perseguir judeus com base na ideologia racial hitlerista, muito menos justificar o extermínio da raça. E no entanto, à primeira vista, o Catolicismo parecia ter ligações com o nacionalismo de direita, o corporativismo e o fascismo, que propunham o anti-semitismo.
Porém, embora duras afirmações como essas muitas vezes reflitam os fatos, de forma alguma elas podem ser generalizadas.
Se alguns penderam para a suástica, a maioria manteve-se fiel aos ideais da cruz.
O
número de líderes religiosos alinhados às forças nazista não era tão
significativo. Entre os protestantes, eles eram apenas 5% do total,
pesquisa feita pela Universidade de British Columbia, no Canadá.
Além
disso, a versão dos Evangelhos proclamada por eles, que defendia, entre
outras coisas, a exclusão de todos os judeus, era condenada por 95% de
seus colegas.
Continua...
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