De Adão a Moisés
A Tradição conta que Deus revelou segredos sobre o Universo ao primeiro homem que criou, Adão, e ele o transmitiu a seus descendentes.
Já ao patriarca Abraão é atribuída a autoria de um dos textos cabalísticos mais enigmáticos, o Sêfer Ietsirá, que trata da criação do mundo. Contudo, os principais conhecimentos teriam vindo do Monte Sinai, pelas mãos de Moisés.
Ao receber de Deus a Torá (que os critãos chamam de Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia), Moiséis também teria sido instruído na interpretação simbólica do texto.
O conhecimento esotérico da Torá foi transmitido oralmente até o segundo século da era comum (os judeus não usam o termo "antes de Cristo"). Coube ao Rabi (mestre) Shimon bar Yochai a primeira versão escrita, em aramaico.
Era o período da dominação romana. Rabi Shimon e seu filho tiveram de se esconder numa caverna nas montanhas da Galiléia, fugindo de seus perseguidores. E lá permanceram por 13 anos. Segundo o Talmude, livro de comentários e interpretações sobre a Torá, durante esse período de reclusão Rabi Shimon recebeu diretamente de Moisés e do profeta Elias a inspiração para escrever o que seria chamado de Zohar.
Finalmente no século 13, os manuscritos foram editados pelo místico espanhol Moisés de Leon (1238-1305) e daí difundidos.
Muitas pessoas acreditam que o Zohar nega a interpretação literal da Torá, na verdade, esse livro apenas acrescenta outros níveis de comprensão. Sengundo a tradição judaica, são quatro os níveis de interpretação do texto sagrado. Além do nível conhecido como peshat, o significado literal das leis religiosas e regras de comportamento, o Zohar traz os níveis remez, as alusões ou "insinuações" alegóricas presentes no texto; o drash (ou derush), a interpretação metafórica mais aprofundada, e sod, o nível simbólico e místico da Torá, o nível cabalístico.
Em hebraico, as iniciais dessas palavras forma pardes, que significa "pomar", e inspiram uma pequena fábula:
"Quatro sábios entraram num pomar. Quando saíram, um deles se suicidou, outro perdeu a razão, outro virou agnóstico e apenas um saiu ileso", conta-nos os rabinos. Moral da história: O caminho da Cabala está aberto, mas nem por isso pode-se dispensar um guia para trilhá-lo com segurança.
A Magia da Palavra
Alguns estudiosos dividem a Cabala em duas categorias: Teórica e prática. A Cabala teórica busca conduzir o homem a Deus, pelo estudo e pela meditação. A prática quer trazer Deus para baixo.
Mas, embora o estudo da Cabala seja aceito por todas as correntes do Judaísmo, das mais ortodoxas às mais liberais, o uso "mágico" dela é visto com alguma reserva.
Basicamente, a Cabala teórica busca compreender o equilíbrio do universo pelo estudo das energias espirituais emanadas de Deus - as chamadas sefirot - e dos códicos numéricos ocultos no texto em hebraico. As 10 sefirot associadas às 22 letras do alfabeto hebraico, seriam as matérias-primas com as quis Deus teria construído o mundo e o rege.
Ao combinar as energias contidas nas letras hebraicas o Todo-Poderoso criou os seres vivos e a natureza, da mesma forma que a combinação dos quatro compostos orgânicos - adenina, citosina, guanina e timina - que constituem o DNA são responsáveis por todo o genoma humano.
Já a Cabala mágica pretende interferir nos acontecimentos pelo uso daquelas forças. Pela meditação ou recitação dos nomes sagrados de Deus, expressos em 72 combinações de letras do alfabeto hebraico, seria possível canalizar energias capazes de feitos sobrenaturais. Por exemplo, as forças emanadas pelas letras sagradas teriam sido usadas por Moisés para abri o Mar Vermelho, permitindo a passagem do povo judeu na fuga do Egito.
Hoje, mesmo aqueles que não dominam o idioma hebraico podem usufruir desses poderes, segundo os rabinos nos ensinam, basta um toque da mão sobre as letras para eliminar distúrbios psicológicos ou males físicos. É o que muitos cabalistas chamam de "escanear" as letras sagradas.
A Numerologia judaica é usada para atrair energias positivas ou evitar as forças negativas associadas a um nome. A cantora Madonna, por exemplo, adotou o nome judaico Esther para desvincular-se de seu nome, verdadeiro, Louise Verônica, herdado da mãe, que morreu de câncer. Ela também usa no braço esquerdo uma pulseira feita de lã vermelha, um amuleto cabalista contra o "mau-olhado".
Mas, para outros cabalistas, a lã vermelha é mais do que um amuleto, é uma ferramenta de conscientização. Ela deve lembrar ao cabalista o seu papel de revelar a Luz do Mundo Infinito aqui no mundo físico e ajudá-lo a conter seu comportamento reativo, afirmam eles.
No organograma das dez sefirot representadas no corpo humano, a energia Guevurá representa a contenção e está associada ao braço esquerdo. A cor vermelha é uma lembrança da invasão de Jericó pelos hebreus, relatada no livro de Josué: Todo o povo da cidade foi dizimado, com exceção de Raabe, que salvou a vida dos espiões hebreus.
Para sinalizar qual linhagem deveria ser poupada durante a invasão, seus membros deveriam atar um fio vermelho à janela. Desde então, o fio vermelho significa proteção.
Para alguns estudiosos, a excessiva ênfase na magia - nascida, provavelmente, de uma desesperada tentativa de obter proteção contra as perseguições ocorridas na Península Ibérica a partir do século 14 - é um desvirtuamento do sentido original da mística.
A Cabala não é um pílula que você toma para resolver suas dificuldades. É um estudo profundo que visa resolver um único problema: Você mesmo.
O objetivo da Cabala é melhorar a sua condição como ser humano, como parceiro na criação. A Cabala não existe sem o Judaísmo. Só é possível compreendê-la ao estudar a religião judaica. E nestes estudos muitos cabalistas acabam se convertendo ao judaísmo como uma reação comum a prática contínua da Arte.
Para o escritor Richard Zimler autor do livro, O Último Cabalista de Lisboa, conta, justamente, a história de um místico em meio ao massacre sofrido pelos judeus no ano de 1.506, em Lisboa, que estudando a Cabala foi um retorno às origens.
Nascido em família judaica de hábitos laicos, que só frequentava a sinagoga em dias de festa, Richard conta que embora não siga estritamente as leis judaicas, a Cabala mudou completamente sua relação com o Judaísmo. "Às vezes digo que quando era jovem vi no Judaísmo apenas a superfície de um grande oceano, mas depois de estudar a Cabala comecei a ver alguns metros dentro das profundezas desse mar", diz ele.
Inundar de conhecimento o mundo é, afinal de contas, o desejo de Deus e a meta dos cabalistaas. Shalom Aleichem! Ou seja: Que a paz esteja conosco!
Abracadabra! E um homem foi fabricado.
Diz a lenda que, no sótão de uma antiga sinagoga de Praga, na República Tcheca, existe um amontoado de barro. É o que restou do Golem, o ser criado pelos poderes cabalísticos do rabino Judah Loew (1520-1609).
Eram tempos difíceis para os judeus da Europa. Alvos constantes de perseguições, eles não tinham quem os protegesse. O rabino Loew pegou argila, moldou uma forma humana e, na testa, escreveu a palavra emet (verdade).
Outra versão da história diz que ele colocou na boca do boneco um pequeno pergaminho com o nome sagrado de Deus. A criatura ganhou vida, com força descomunla, mas sem os dotes da inteligência e da fala, que só o Todo-Poderoso poderia conceder.
O ser criado pela mágica da Cabala, primeiro autômato da história da humanidade, cumpriu seu papel. Sob as ordens de Judah Loew, ele salvou a vida de muitas pessoas. Mas a criatura se apaixonou pela filha do rabino e começou a exigir status de ser humano, fugindo do controle de seu criador. Foi preciso eliminá-lo.
Assim, da palavra emet o rabino apagou a primeira letra, o que resultou em met, que significa morte - ou, em outra versão, tirou o pergaminho da boca do Golem.
Mas o Golem pode não ter sido o primeiro. O Talmude, livro que traz explicações sobre a Torá, relata que o sábio cabalista Rava (299-353) fez um andróide. O texto diz: Raba Bara Gabra, ou "Rav criou um homem".
No hebraico, essa é uma frase de dez letras que somadas, possuem o valor numérico de 612, um a menos que 613, o número de ossos e vasos sanguíneos do corpo humano - afinal, o golem ("matéria") era algo menos que um humano.
Segundo alguns estudiosos, Raba Bara Gabra também seria a origem da palavra "abracadabra", que, no hebraico quer dizer, "eu criarei enquanto falo".
FIM.
Referências Bibliográficas
Livros:
Cabala Prática, de Rabino Laibl Wolf, Editora Maayanot, 2003.
Numerologia Judaica e seus Mistérios, de David Zumerkorn, Editora Maayanot, 2001.
Sêfer Ietsirá - O Livro da Criação, do Rabino Arieh Kaplan, Editora Sêfer, 2002.
Sites:
www.academiadecabala.com.br - Academia de Cabala Rav Meir, do Rio de Janeiro.
www.kaballah.org.br - Centro de Estudos de Cabala, São Paulo e Rio de Janeiro.
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