Um dos pilares da fé hindu, o poema épico Mahabharata é uma obra fascinante que exorta o homem à mais difícil de suas tarefas: Cumprir seu destino.
Era uma vez um poema do tamanho do mundo...
...E seu autor, ídem: Vyasa levara três longos anos para compor, mentalmente, os impressionantes 200 mil versos da obra. Então, quando sua criação estava finalmente concluída, se pôs a procurar alguém capaz de trasncrever um texto tão caudaloso.
Tudo indicava que não seria uma tarefa fácil, mas certo dia, enquanto caminhava pela floresta, um escriba se apresentou a Vyasa e assumiu a missão de colocar as palavras do poeta no papel.
Era ninguém menos que Ganesha, o deus com cabeça de elefante, filho do poderoso Shiva. A divindade se acomodou, abriu um enorme livro em branco, arrancou sua presa direita e molhou-a no tinteiro. Em seguida, dirigiu-se a Vyasa e o advertiu: "Estou pronto. Mas deves ditar sem nenhuma pausa, pois minha mão não pode parar enquanto eu escrevo".
Assim começa o Mahabharata, o maior épico já produzido na História da humanidade. Para se ter uma idéia da dimensão do poema, seus versos, que se espalham por quase 6 mil páginas, representam um volume 15 vezes maior do que a Bíblia e sete vezes maior do que a Ilíada e a Odisséia - as duas epopéias do poeta grego Homero.
Linha após linha, traz ensinamentos que orientam até hoje a conduta dos fiéis de um dos sistemas religiosos mais antigos do mundo: o Hinduísmo.
Escrito originalmente em sânscrito, o texto que acredita-se tenha sido compilado no século 4 a.C., atravesou milênios, ganhou inúmeras versões e chegou aos dias de hoje extremamente atual.
Mas enfrentar o poema é uma tarefa árdua. Não tanto pela quantidade de páginas, mas pela forma como ele foi escrito. Apresentados em diferentes camadas de narrativas, os versos não seguem um fluxo contínuo.
Algumas histórias, por exemplo, são interrompidas e retomadas capítulos adiante. Para complicar um pouco mais, há uma multidão de seres - humanos e divinos - que se esbarram em várias das tramas que compõem o livro.
O próprio título da obra permite várias interpretações. O dramaturgo e roteirista francês Jean-Claude Carrière, autor de uma versão romanceada do poema, explica que Maha, em sânscrito, significa "grande". A palavra Bharata, por sua vez, seria o nome de um sábio lendário, mas também de uma dinastia ou clã.
Assim, o título poderia ser traduzido como "A Grande História de Bharata". A palavra Bharata, porém, ainda pode ser decomposta em dois fragmentos bhaa, que significa "luz", e rati, que equivale a "amor".
"Bharata", portanto, é aquele que ama a luz ou o conhecimento. Em uma palavra: o homem. Ou seja, juntando as peças e, sem medo de exagerar, poderíamos dizer que estamos diante da "Grande História da Humanidade".
Assim, o título poderia ser traduzido como "A Grande História de Bharata". A palavra Bharata, porém, ainda pode ser decomposta em dois fragmentos bhaa, que significa "luz", e rati, que equivale a "amor".
"Bharata", portanto, é aquele que ama a luz ou o conhecimento. Em uma palavra: o homem. Ou seja, juntando as peças e, sem medo de exagerar, poderíamos dizer que estamos diante da "Grande História da Humanidade".
Guerra em Família
O cerne da epopéia é a disputa pela pose de um reino na Índia entre dois grupos familiares com estreitos laços de parentescos: Os Pandavas e os Kauravas.
Os primeiros são filhos de Kunti e Madri, esposas de Pandu, um rei que abdica do poder e foge para a floresta após receber uma maldição que o impede de conhecer o amor de uma mulher.
(Kunti e a anunciação do nascimento de seu filho)
(Madri e seu filho)
Por conta da praga sobre o marido, as esposas invocam os deuses para conceber seus 5 filhos: Yudhishtira, Bhima, Arjuna, Nakula e Sahadeva.
Já os cem irmãos Kauravas são filhos do rei cego Dhritarashtra, irmão de Pandu, que tomou o trono em seu lugar. Primos entre si, os Kauravas e os Pandavas são criados juntos, em relativa paz. Que, como veremos, dura pouco.
Para aplacar qualquer desejo de poder dos Pandavas, que haviam perdido o direito ao trono por conta do exílio de Pandu, Dhritarashtra concede alguns territórios longíquos aos cinco irmãos. O objetivo do rei era manter os sobrinhos distantes para evitar um possível confronto com seus filhos.
A tática, contudo, não funciona, devido à ganância dos próprios Kauravas. Amados por todos, os Pandavas logo alcançam enorme prosperidade, despertando a cobiça dos primos, que preparam uma armadilha.
Duryodhana, o mais velho dos cem irmãos, convida Yudhishtira, líder dos Pandavas, para um partida de dados. Ludibriando o primo, Duryodhana arranja um jogador imbatível para enfrentar Yudhishtira e faz com que ele aposte e perca todas as suas posses - incluindo a fortuna e as terras de seus irmãos.
Derrotados, os Pandavas são obrigados a viver no exílio durante 12 anos, com a promessa de que, quando voltassem, poderiam recuperar o que haviam perdido no jogo.
Ao fim do exílio, no entanto, Duryodhana recusa-se a cumprir que havia sido combinado. Sua atitude provoca a ira dos primos, que decidem ir à luta para garantir seus direitos. Cada um dos lados busca aliados entre os reinos vizinhos para formar dois grandes exércitos que se enfrentam no campo de batalha.
O que se dá em seguida é uma carnificina sem igual, com conflitos sangrentos e intermináveis que acabam com um saldo de 18 milhões de mortos. A vitória, no fim cabe ao clã dos Pandavas.
O
que, à primeira vista, pode parecer um simples embate entre forças do
bem, representadas pelos Pandavas, e do mal, os Kauravas, revela-se
uma história muito mais complexa e profunda. Transcendendo qualquer tipo
de visão maniqueísta, o Mahabharata é, na verdade, uma espécie de espelho da alma humana.
No
poema, todos mudam de opinião o tempo todo e assumem posições muitas
vezes contraditórias. Isso é um reflexo do pensamento indiano, que acata
as fraquezas e as forças inerentes a todos os seres humanos. Essa
ambiguidade fica explícita em um dos personagens mais importantes do
livro: O deus Krishna, que se alia aos Pandavas.
Continua...