quinta-feira, 6 de abril de 2017

Alma Indígena ou não... Eis a Questão! - Parte 2


O livro de Sepúlveda, Democrates Alter, Sive de Justis Belli Causis, tradução: "Das justas Causas da Guerra contra os Índios", tinha como objetivo dar suporte filosófico a esse procedimento, no estilo dos diálogos de Platão.

O personagem-título, Demócrates, com ajuda do sanguinário conquistador do México, Hernán Cortez, argumentava que os índios nasceram para serem subjugados e que não aceitavam a verdadeira fé senão pela força.


(Acima, cenas do canal privado EuroNews, de 2011.)

(E se Deus fosse um cara que gostasse de sacrifícios humanos mesmo?! Acima, uma engraçada reflexão do grupo humorístico Porta dos Fundos, de 2013.)

"Além do mais", continua Demócrates, "os invasores têm papel humanitário, pois acabam com os sacrifícios humanos praticados pelos índios em suas cerimônias pagãs". 

Apesar de toda a sua reputação de intelectual, Sepúlveda teve problemas em divulgar a obra na sua terra natal porque ela batia de frente com a posição oficial da Igreja. 

(Acima, nossa visita à Punta Sal no Peru, onde por muito tempo, e até hoje, portugueses e espanhóis viveram e decidiram a vida de toda a América Latina. Hoje, não passa de uma parada bucólica e romântica para turistas.)

Esse texto foi proibido pelo Conselho das Índias [o órgão que geria a colonização espanhola na América] e pelo Conselho de Castela, depois da opinião das universidades de Alcalá e Salamanca. 

Foi editado na Itália e, tecnicamente, estava proibido de circular na Espanha. Mas as suas ideias expressavam uma corrente do pensamento jurídico espanhol.

Foi contra essa corrente que Bartolomé de Las Casas lutou boa parte de sua vida. 


Defensor das Américas

Ironicamente, Las Casas começou sua vida na ilha Hispaniola (onde ficam os atuais Haiti e República Dominicana) como qualquer outro espanhol: comandando escravos. Ele chegou à América com 18 anos, vindo de Sevilha, e na época era apenas um clérigo - recebera as chamadas Ordens Menores, que não tornavam o indivíduo um sacerdote pleno. 

(A ilha Hispaniola ainda vive... Atualmente a ilha se tornou em Haiti e República Dominicana, no Caribe. Após 13 anos da presença da Missão de Paz Brasileira, ainda é muito problemática a vida de seus cidadãos pós-terremoto, onde a maioria de seus habitantes são descendentes de uma época de opressão e escravidão medievais.) 

Mas a terra recém-descoberta do outro lado do Atlântico não era uma estranha completa: o pai de Las Casas participara de uma das viagens de Cristóvão Colombo e até trouxera um menino índio como "presente" para o filho na volta para casa. 

(A mesma época, mas numa perspectiva dos inimigos... Acima, um maravilhoso filme do diretor indiano Shekhar Kapur, Elizabeth: Era de Ouro, de 2007.)

As aventuras paternas estimularam o jovem Bartolomé a deixar a Espanha e transformar-se num encomiendero (senhor de uma encomienda, como era chamada a terra cedida pela Coroa espanhola na América) em Hispaniola e em Cuba. 

Las Casas tornou-se exemplo de bom administrador, do colonizador que dá certo, e recebeu elogios do próprio governador.

(Muito tempo depois, em toda a América, o motivo da morte e escravidão dos índios e negros ainda continuava o mesmo: As lavouras de Cacau, o maior e mais caro produto já produzido no mundo... Acima, cenas da novela brasileira Renascer, exibida pelo canal público Rede Globo, de 1993.)

O jovem clérigo sofreu uma virada espetacular de pensamento e conduta, estimulada pelo fato de que teria reconhecido a bondade do povo nativo da América. 

O primeiro passo dessa mudança foi a chegada dos frades dominicanos a Hispaniola, onde fundaram um convento em 1510.

Já ordenado padre, Las Casas logo percebeu que a Ordem não parecia nem um pouco disposta a contemporizar com a escravidão. 

(A vida nas colônias espanholas era algo tão solitário, que a América, por muito tempo, foi vista como um lugar de castigo para os europeus. Um sacerdote sofria muito aqui, ao se deparar com a crueza dos colonos e a naturalidade social dos indígenas. A combinação disso, era um drama de difícil convivência, onde amor, ódio e corrupção viraram História. Acima, cenas do filme A Letra Escarlate, mostrando a colonização da América do Norte pelos puritanos, que sofreram seus próprios revezes semelhantes aos espanhóis, de 1995.)

A certeza veio com um sermão, preparado em conjunto pelos frades recém-chegados e proferido diante de toda a comunidade de Santo Domingo. 

"Con qué derecho?", teria bradado frei Antonio de Montesinos diante de uma assembleia atônita de colonos espanhóis (Las Casas entre eles), em meados de dezembro de 1511. 

Sem meias-palavras - e muito antes do papa -, o sermão exaltava a plena dignidade humana dos indígenas e dizia que a própria alma imortal dos colonos estava em risco, caso persistissem em escraviza-los, pois não tinham esse direito. 

Las Casas parece ter se emocionado com o discurso, mas não tomou nenhuma atitude.

(Mas, em todo o mundo e, por muito tempo, o sacerdócio produziu homens iluminados, assassinos, corruptos e dedicados... Acima, cenas do filme O Nome da Rosa, de 1986.)

Certa vez, quando foi se confessar e um dos dominicanos pediu que libertasse seus escravos para que fosse absolvido, preferiu partir sem a absolvição.

A grande mudança veio quando o padre se engajou como capelão militar numa expedição que visava colocar toda Cuba sob domínio espanhol.


Continua...




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