sábado, 13 de fevereiro de 2016

Travessia em busca de um Sonho - Parte 2

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(Habitantes de Canudos, sobreviventes dos últimos dias do conflito.)

Na época de Canudos e do Contestado, a Bíblia não era acessível às populações que viviam na zona rural. A área contava com poucos sacerdotes e quase não havia missas. 

Por esse motivo, a prática religiosa não se concentrava nos sacramentos, mas na devoção aos santos - estabelecida numa relação direta desses com os fiéis - e nas rezas. 

Tratava-se de gente humilde, abandonada à própria sorte, para a qual concorria o desejo do milagre e do maravilhoso, o socorro do sobrenatural.

Os líderes messiânicos vão ao encontro desse anseio. 

(Quatro minutos para relembrarmos sobre o assunto que estamos abordando nestas postagens.)

Ainda que a tragédia marque o fim de grande parte desses movimentos, aqueles que pereceram na luta não se arrependeram nem no último momento. 

Com a morte, achavam que atingiriam seus sonhos de outra maneira e estariam salvos de um mundo em decadência. Um caminho que, ainda hoje, muitos podem vir a seguir. 


Canudos - O paraíso que começa no sertão

O frei capuchinho João Evangelista Marciano chega ao arraial de Belo Monte em 1895. Em missão oficial, vai até o povoado, antes chamado de Canudos, a pedido do governador da Bahia, para tentar dispersar a população. 

O religioso fracassa, mas registra a visita num relatório: 

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(Frei João Evangelista Marciano, o segundo frei com barba, sentado da esquerda para direita.)

"Os aliciadores da seita ocupam-se em persuadir o povo de que todo aquele que quiser se salvar precisa vir para os Canudos, porque nos outros lugares tudo está contaminado e perdido pela República. Ali, porém, nem é preciso trabalhar. É a terra da promissão, onde corre um rio de leite e são de cuscuz de milho os barrancos".

O imaginário daqueles que se juntaram no local está tomado pela esperança e pela fé. 

Há uma recriação da terra prometida dos judeus, que se associa com mitos indígenas de fartura daquela região. Muitos fogem do trabalho nas fazendas da região e mudam-se para Belo Monte. 

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(Vila de Belo Monte, como vista e representada pelo pintor e fotógrafo Flávio de Barros em outubro de 1897, único que presenciou o conflito sem estar diretamente ligado à política. Morou nas imediações de 26 de Setembro a 12 de Outubro de 1897. Contudo, muitas de suas fotos foram expurgadas, sendo somente divulgadas recentemente no Museu da República-RJ e no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia desde 2002.)

Lá, encontram terra para plantar e vender de forma livre, sem os impostos da República. Passam a trabalhar de modo comunitário no único local que consideram livre da ruína do mundo. Obra de Antônio Vicente Mendes Maciel, o célebre Antônio Conselheiro. 

O líder do movimento de Canudos nasceu em Quixeramobim, no Ceará, em 1830. Sabe-se que perdeu a mãe ainda na infância. 

Antônio teria aprendido latim com o avô e estudado português, aritmética, geografia e francês, o que deu a ele a fama de garoto aplicado e religioso na sua cidade natal. 

A morte do pai obrigou-o a tomar conta do comércio que pertencia à família. 

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(Antonio não aguenta o drama da infidelidade da mulher e a dificuldade em manter rentável um comércio. Decide abandonar tudo e foge para o deserto do Sertão Nordestino. Ali, algo lhe acontece e sente-se chamado por Deus para uma missão.)

Antônio casa-se, abandona o comércio, separa-se da mulher ao descobrir uma infidelidade e retoma a vida de negociante.

Mas, em 1871, alguns dos bens de Antônio são penhorados por causa de uma dívida não paga. 

Naquela década, ele deixa de vez o comércio e passa a peregrinar pelo sertão como beato. 

"Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro, os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de currulepe, chapéu de palha na cabeça. Era manso de palavra e bom de coração. Só aconselhava para o bem"
Depoimento de Vilanova, sobrevivente de Canudos, registrado em 1962.

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(Única foto conhecida de Antonio Conselheiro, tirada por Flávio de Barros em 1897.)

A passagem narra seu encontro quando menino com o beato, em 1873, numa fazenda cearense. 

Na ocasião, Conselheiro declara que tinha uma promessa a cumprir: erguer 25 igrejas, nenhuma delas no Ceará. 

Em 1874, um jornal de Sergipe menciona a passagem de um certo Antônio dos Mares, acompanhado por um "povo fanático" tanto pelo Estado como pela Bahia. 

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(Até em São Paulo, não se falava de outra coisa: Um padre pobre que arrebanhava os nordestinos...)

"Anda no caráter de missionário, pregoando e ensinando a doutrina de Jesus Cristo."
Informa a reportagem.

As peregrinações começam a preocupar as autoridades e a Igreja.

Em 1876, Conselheiro é preso em Itapicuru, na Bahia, e enviado para o Ceará, sob falsa acusação de homicídio. 

Acaba libertado meses depois e retoma suas andanças...


Continua...


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