Primeira Testemunha
Mesmo nos textos bíblicos - escritos, vale lembrar, por homens - a importância de Maria Madalena é inegável. Não é exagero dizer que, nos evangelhos, o nome dela lidera a lista de mulheres discípulas da mesma maneira que o nome de Simão Pedro encabaça a lista de discípulos masculinos. Além disso, a presença de Madalena em momentos decisivos da Paixão de Cristo foi notada pelos quatro evangelistas. Ela esteve aos pés da cruz e testemunhou a ressurreição de Cristo - sem a qual o Cristianismo nem existiria.
O relado do encontro de Madalena com Jesus ressucistado contado pelo Evangelho de João é impressionante.
Após dirigir-se ao sepulcoro onde deveria estar o corpo de Cristo e não encontrar nada, Maria desespera-se. Recusando-se a crer que o Mestre não estava ali, ela volta a olhar para dentro do local, mas vê apenas dois anjos vestidos de branco, a quem diz que está à procura do seu Senhor. Naquele momento, ela se depara com Jesus ali, em pé, mas não o reconhece. Ele lhe pergunta porque chora. Pensando que fosse o jardineiro, Madalena lhe diz: "Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu o pegarei." Jesus, então, a chama "Maria!" Ao dar-se conta de que era o próprio Cristo, ela exclama: "Raboni!" (que, em aramaico, significa "mestre").
Em seguida Jesus pede que ela conte aos outros que Ele estava de volta. "Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: "Eu vi o Senhor!", escreve João.
Maria é aquela que orienta, que dá o discernimento, que mostra qual o caminho para os discípulos. Ela tem conhecimentos secretos sobre Jesus, mais do que os apóstolos homens. Em sua passagem do Evangelho de Maria Madalena, o próprio Simão Pedro admite isso: "Irmã, nós sabemos que o Mestre te amou diferentemente das outras mulheres. Diz-nos as palavras que Ele te disse, das quais tu te lembras e das quais nós não tivemos conhecimento."
Porém, o trecho seguinte, do mesmo evangelho, revela o descrédito do apóstolo: "Pedro ajuntou: 'Será possível que o Mestre tenha conversado assim, com uma mulher, sobre segredos que nós mesmos ignoramos?(...) Será que Ele a escolheu e a preferiu a nós?'." Madalena responde: "Meu irmão Pedro, que é que tu tens na cabeça? Crês que eu sozinha, na minha imaginação, inventei essa visão, ou que a propósito de nosso Mestre eu disse mentiras?". Mas, como se sabe, foi a versão de Pedro que entrou para a História.
Numa sociedade patriarcal, os homens é que tinham credibilidade. Eles se reuniram e formaram um grupo seguidor de Jesus. Maria Madalena não tinha tanto poder para convocar e aglutinar pessoas.
Se ela tivesse assumido a liderança dos primeiros cristãos ao lado de Pedro, o Cristianismo provavelmente teria se constituído de maneira diferente. A Igreja teria um outro rosto, menos machista e menos hierárquico.
Mesmo assim, Madalena é hoje considerada um modelo para os fiéis cristãos. Maria, a apóstola, é ao mesmo tempo feminina e espiritual. Seu estatus como mulher não impediu que ela ensinasse, pregasse e proclamasse o legado de Jesus.
Maria, a prostituta, é também símbolo de esperança e poder para todos os que pecam, sabem que não são perfeitos e precisam de outra chance na vida.
Bendita Madalena!
De Eremita a Padroeira Exemplar
Conta uma lenda medieval que, depois da ressurreição de Jesus, Maria Madalena teria se retirado para um eremitério na França, onde viveu solitária e em penitência. Esse comportamento recluso inspirou uma abadia beneditina na cidade francesa de Vézelay, que, em 1050, foi colocada sob a proteção de Santa Maria Madalena - foi o primeiro registro dela como santa.
O culto recebe, em seguida, um impulso extraordinário na época das Cruzadas, de 1146 a 1190, surgindo outros santuários dedicados a Madelena, entre os quais o de Aix e de Saint-Maximin na Provença.
O culto à Santa Madalena teve seu auge na Idade Média: os monges de Vézelay chegaram a organizar uma exposição e trasladação do corpo que acreditavam ser dela. Logo surgiram pregrinações à gruta de Sainte-Baume, onde Madalena teria vivido seu período de reclusão.
Os relatos de milagres atribuídos à santa, que se manifestava na forma de uma pomba branca, começaram a se multiplicar. A identificação de Madalena com as outras mulheres da Bíblia lhe rendeu o título de padroeira dos perfumistas, estecisitas e cabeleireiros, além, é claro, das prostitutas. Ela é homenageada em 22 de Julho.
Em 1226, apareceu uma "Ordem das Madalenas" no sul da França. A instituição tentava recuperar moças arrependidas da prostituição. O exemplo espalhou-se pela Europa e ordens semelhantes surgiram na Inglaterra, na Alemanha e na Itália, mas a maioria delas não sobrevivieu até o século 19. Apenas um número proporcionalmente baixo de prostitutas aceitava entrar nessas ordens.
A Boa Nova Segundo a Fiel Discípula
Em 1945, um grupo de camponeses egípcios desenterrou, acidentalmente, um jarro. Diz a lenda, que eles ficaram com medo de abrir o vaso, porque poderia ter um demônio guardado lá dentro, assim como era possível haver um tesouro.
Nem demônio, nem ouro: dentro do jarro havia 52 textos gnósticos, muitos ainda bem conservados, como o Evangelho de Maria Madalena. Os textos foram escondidos possivelmente quando o Cristianismo já oficializado mandou queimar todos os escritos gnósticos.
Maria de Magdala, contudo, não teria sido a autora do texto que leva seu nome. Não se sabe se ela teria fundado uma nova comunidade para transmitir a Boa-Nova de Jesus. Entretanto, a mera existência do Evangelho de Maria Madalena sugere que seus ensinamentos sobreviveram nas comunidades cristãs primitivas.
A Madalena desse evangelho se parece com a dos evangelhos canônicos, com a diferença de que no apócrifo ela assume seu papel de mulher apóstola. Jesus lhe revela ensinamentos, os quais ela transmite aos apóstolos.
O texto gnóstico revela que Maria Madalena compreendia, de fato, as lições passadas pelo Mestre - por exemplo, o significado de conceitos difíceis como salvação e ascensão - e não se inqueitava diante dos mistérios da fé. O próprio Jesus a saúda por isso, durante uma aparição, já ressuscitado: "Bem-aventurada é você por não se perturbar ao me ver".
O fato de Maria ser espiritualmente forte para partilhar seus conhecimentos com os discípulos, que se encontravam em depressão, prova que ela era a única discípula pronta a ocupar a posição do Salvador como mestra depois de Sua partida.
Fim.
Referências Bibliográficas
Livros:
O Outro Pedro e a Outra Madalena Segundo os Apócrifos, de Jacir de Freitas Faria, ed. Vozes, 2004.
As Origens Apócrifas do Cristianismo, de Jacir de Freitas Faria, ed. Paulinas, 2003.
Maria Madalena - De Personagem do Evangelho a Mito de Pecadora Redimida, de Lilia Sebastiani, ed. Vozes, 1995.
Mary Magdalen - Myth and Metaphor, de Susan Haskins, ed. Riverhead Books, 1993.
Sites:
www.magdalene.org
www.maryofmagdala.com
www.fcsh.unl.pt/docentes/hbarbas/Tese.htm
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